Baixe o livro "62 anos Missionário na Brasil" de Palmer Harder (31,7 MB)

Baixe o livro "Memorial do Instituto Adventista Cruzeiro do Sul" de André M.Pasini", (15,4 MB)

Baixe o livro "Do sonho à realidade...", de Aparecida H. T. Macedo (1,38 MB)

Fotos do Museu do IACS


1999 Aparecida H. T. Macedo




Prefácio




Escrever a história do Instituto Adventista Cruzeiro do Sul requer conhecimento sobre estrelas. Não as da constelação que enfeita o céu do hemisfério sul, mas estrelas vivas que fizeram, em mais de 7 décadas, uma história de fé e amor vividos numa escola. A professora Aparecida Macedo nunca estudou no IACS, mas dedicou a ele, como professora, quase toda a sua vida até agora. Poderia ter sido apenas isso que foi: uma excelente professora, e a Escola já lhe seria muito grata. Mas ela foi além. Ao começar a ver aqui e ali alguns vislumbres da história desse colégio que fora por ela adotado reciprocamente, entendeu que o seu IACS tem uma história que vale a pena ser, não apenas preservada, mas também contada a todos os jovens que desejam ser imbuídos do espírito dos pioneiros para realizarem alguma tarefa especial. Sim, ela acabou por descobrir que, muito antes de nascer na suave colina que abrigou o primeiro prédio, o IACS havia nascido no coração de um sonhador: o Pr. Abraham Classen Harder.

Colecionar e transcrever depoimentos, ler cartas e documentos, cuidar de centenas de fotografias e objetos, manter um museu histórico tudo faz parte da dedicação que a tornaram a maior conhecedora desta escola e de sua história. Ao estar dirigindo o IACS por quase dez anos, posso afirmar isto com segurança.

Agora mais um sonho: um livro. Sendo professora de literatura e reconhecida pelo bonito manuseio que faz das palavras, não seria de se esperar menos da professora Aparecida. Na verdade, a história do IACS nunca poderá ser totalmente abrangida num livro, pois ela se subdivide em centenas ou milhares de pedaços vividos por seus alunos. Mas aqui estão, pelo menos, os principais capítulos.


Milton Cézar de Souza - Diretor Geral



À guisa de Introdução

Este livrinho não é um documentário. É apenas um recordativo, uma tentativa de trazer ao conhecimento de muitos a bela história do Instituto Adventista Cruzeiro do Sul. Os fatos aqui narrados são verdadeiros e, salvo alguma exceção mencionada, os nomes também o são.

Os fatos referentes à fundação do Colégio e aos primeiros anos de funcionamento vieram-me através de pesquisa, conversas com os descendentes do casal Harder ( filhos e noras), com os primeiros alunos, a maioria dos quais já descansa de seus labores, uma vez que esta pesquisa se deu ao longo de quase 20 anos. O mesmo aconteceu com os fatos subseqüentes que vão desde o final da era Harder até inícios da década de 60. A partir daí, vivenciei-os todos. Talvez, um ou outro fato esteja explanado aqui de maneira um tanto diferente daquela que, uma outra pessoa, tenha ouvido falar. Acontece que muitos fatos me foram narrados de maneiras diferentes, por ex-alunos diferentes. Bem compreensível a questão. Muitos e muitos anos separavam estes primeiros estudantes dos acontecimentos que marcaram suas vidas. Hemos de convir que suas lembranças poderiam pregar-lhes alguma peça. Os lugares, onde se deram os fatos, também eram indicados de modo diferente por este ou aquele. A paisagem mudou e, às vezes, ficava difícil estabelecer com exatidão o ponto onde o fato havia ocorrido. Assim, fui tirando minhas conclusões, baseando-me naqueles depoimentos que mais coincidiam entre si.

Provavelmente, haja muitos outros fatos interessantes que não são mencionados aqui. Alguns não me chegaram ao conhecimento, talvez. Outros... impossível narrá-los todos neste que é para ser apenas um livrinho .

A parte histórica referente à família Harder foi baseada na obra "Incertain Jouney" de. Franck e Ava C. Wall, publicada por Review and Herald Publishing Association em 1974. Nessa obra, os autores narram a vida das primeiras famílias menonitas que vieram da Rússia, da Alemanha e da Holanda para os Estados Unidos e que posteriormente se tornaram Adventistas do Sétimo Dia. A parte referente à família Harder tem como título "A century of dedication" e vai da página 87 à página 98. Sou grata a Deus que me trouxe, um dia, ( embora eu não o quisesse) para esta Casa. Não vim como aluna. Vim, já como professora. Aprendi a amar este lugar e depois que me inteirei dos detalhes maravilhosos de sua fundação e de seus primeiros anos, passei a amá-lo muito mais.

Índice



Prólogo


Primeira Parte: Os primórdios


1. De Terras Longíquas

2. Novos rumos

3. Rumo ao mar

4. Nasce o sonho

5. Sob as ordens de um anjo...finalmente!

6. Chegam os primeiros alunos


Segunda parte: A Escola... ontem


1. Primeiro dia de aula

2. E o tempo foi passando

3. Lutas e vitórias

4. Assim era a vida

5. Alguns fatos pitorescos dos primeiros anos

- A doença do cavalo Chico

- A goiabada queimada

- Difícil de Aprender

- Papai Harder e o aluno faltoso

- O caso da camisa nova

- Os sapatos "novos" do professor

6. Adeus, Colégio Cruzeiro do Sul!


Terceira parte: Depois da era Harder


1. Outros Tempos... outros caminhos

2. Uma vida transformada

3. As janelas de ferro do refeitório

4. Órfãs de pais vivos

5. Não mais sozinhos

6. De aluno-bolsista a prefeito

7. Um sonho... uma mensagem

8. Milagres ainda acontecem

9. Influência que redime

10. Mesmo em longes terras

11. "70 anos fazendo brilhar estrelas"


Epílogo


Adendo


- Mensagem de amor de um pioneiro (trechos do depoimento)

- Um homem de Deus (poema)

- Mamãe Harder (necrológio)

- Um dia...

- A vocês

- O jardim do Senhor

- A uma turma especial

- Farol que brilha






Prólogo



Início da década de 30, ou últimos dias do ano da graça de 1929... Não importa o ano; não importa a década!

É noite. Já faz muito que o sol desceu lá nos confins dos montes que emolduram, de longe, as margens do rio.

O lugar? Uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul. Ou melhor, os arredores da cidade, mais precisamente três ou quatro quilômetros do centro da mesma. E a noite é escura neste canto da terra para aonde seguimos levados pela imaginação.

Esta é a terra dos extremos. Frio abaixo de zero no inverno, ou calor beirando os quarenta graus no verão. Quem sabe, esta é uma daquelas noites geladas, de geada brava, quando o vento minuano sopra sem dó, enregelando o incauto ou o infeliz que não se tenha agasalhado o suficiente.Esta é a terra dos extremos. Frio abaixo de zero no inverno, ou calor beirando os quarenta graus no verão. Quem sabe, esta é uma daquelas noites geladas, de geada brava, quando o vento minuano sopra sem dó, enregelando o incauto ou o infeliz que não se tenha agasalhado o suficiente.

É noite...Uma casa grande, que já experimentou melhores dias, tem ainda uma janela iluminada. Mas com um frio destes? Quem ainda estará exercendo alguma atividade? É hora de descanso. Hora de se estar aquecido sob pesadas cobertas. Então, por que uma janela iluminada? Aproximamo-nos curiosamente. Uma senhora, já não tão jovem, está assentada próxima ao fogão, cujo crepitar da lenha que queima, serve de acompanhamento para o canto que ela entoa baixinho...

" Há um rio cristalino, Onde os santos viverão..."

Aguçamos o ouvido porque só identificamos o hino pela melodia que nos é conhecida. As palavras? Não, não dá para entender. Ela inicia uma nova canção:

" Mãos ao trabalho, jovens, Vai já passando o alvor..."

Agora, nos apercebemos... A senhora está cantando em inglês! Interessante... Por vezes, ela canta um trechinho em português, depois mistura o inglês. Outra vezes, simplesmente cantarola. Por quê? Quem é essa senhora? O que faz ainda acordada nesta noite tão fria?

Disseram-nos que esta casa é uma escola. Um internato. Como? Afinal, a residência nem é tão grande. Como pode abrigar quinze ou vinte pessoas, conforme nos disseram? Isto não vem ao caso, porém. Estamos interessados em saber quem está ali, assentada à beira do fogo e o que faz a estas horas tardias, enquanto o vento assobia nos beirais de sua casa.

Nossa imaginação nos leva para dentro do aposento que se nos afigura ser cozinha, sala de jantar, escritório, biblioteca e...dormitório. Há uma cama num dos cantos do aposento. Cuidadosamente nos achegamos e alongamos o olhar para o fogão crepitante e para a senhora próxima dele. Agora podemos vê-la mais completamente. É robusta, corada, tem um ar de autoridade, mas seus olhos são bondosos.

Os cabelos estão se pintando de branco. Sempre foram claros, é certo, no entanto, agora, é o branco da vida que começa a aparecer. Engraçado... só neste momento a vemos pela vez primeira, no entanto seu rosto exprime tanta simpatia que se nos parece ser ela antiga conhecida. Alguém a quem, de coração, já queremos bem.

Ela costura. Ao seu lado, uma pilha de roupas. Neste instante, ela está a cerzir um par de meias. Carpins, como se diz por estas plagas. Meias? Carpins? Melhor seria dizer que ela tenta refazer estas peças que já não têm mais nada de sua antiga forma. Na verdade, se assemelham a restos de meias! Quem costura, contudo, não se dá por vencida. Vira aqui, ajeita ali, põe uma emenda acolá, e, aos poucos, os carpins vão tomando forma outra vez. Quando termina um par, ela o coloca ao lado e dá um suspiro profundo como a dizer:

" O A poderá usá-las por mais algum tempo . Já não ficará com os pés tão gelados enquanto trabalha ou estuda."

Terminadas as meias, ela toma outra peça. Parece uma camisa. Camisa cujo colarinho é um amontoado de fios rebentados. Ela olha, suspira e começa a tentar dar-lhe forma outra vez. Nós olhamos perplexos para a pilha que está ao seu lado e nos preocupamos. Até que horas terá ela que costurar para ajeitar esse monte de roupas, que mais parecem despojos de uma guerra?

Ela recomeça a cantar... Coloca mais lenha no fogo.. Pára o trabalho, escuta o ulular do vento. No resto da casa, o silêncio é absoluto. Barulhos... Só o vento mesmo, o crepitar da lenha e o murmúrio da voz que canta baixinho enquanto as mão trabalham agilmente.

Alguém se aproxima. Pé-ante-pé, como que indeciso. Será que entra na sala? Vai perturbar a senhora que ali está? Será bem recebido? Terá coragem de falar-lhe? Os passos param no limiar da porta intermediária. Hesitam. Não, não há coragem. Quando o dono dos passos vai recuar, já foi pressentido. Que fazer? É então que ele ouve aquela voz já tão conhecida, carregada de sotaque, mas que se faz entender perfeitamente pelo carinho e compreensão que demonstra:

" O que há B? Você quer falar comigo? Está com algum problema, meu filho?"

Meu filho? Ela disse "meu filho" ? Mas este jovem não pode ser seu filho! É completamente diferente dela! A tez, os cabelos, os olhos... mas nós ouvimos bem que ela disse "meu filho". O jovem ainda hesita. Ela insiste:

Timidamente o jovem se aproxima dela. Esfrega as mãos, um tanto nervoso. Mas, aquele olhar cheio de bondade, finalmente o impele a falar:

"Senhora Harder, eu estou com vergonha de lhe falar. É que sábado que vem eu tenho de contar a Carta Missionária na igreja e não vou poder, porque não tenho nenhuma camisa em condição de ser usada na igreja".

"Mas e as que você usa para ir à aula?"

"Só tenho duas. Assim mesmo, os colarinhos estão muito puídos. A senhora já consertou várias vezes e me disse outro dia, que agora, não daria mais para consertar."

Então ela se lembrou. Era isso mesmo. Este aluno viera para a escola, praticamente, só com a roupa do corpo. Ela lhe arranjara, de um modo ou de outro, roupas de cama, cobertas e roupas de vestir. É bem verdade, que a maioria dos que ali estavam tinham vindo nas mesmas condições...

"Tudo bem. Vai dormir sossegado, meu filho. No sábado, você terá a sua camisa nova e poderá fazer a sua parte na igreja sem nenhum problema. Durma tranqüilo!"

" Muito obrigado, mamãe Harder! Bem o C... me disse que viesse falar-lhe, pois a senhora certamente daria um jeito de me ajudar"

Ele se vai, ligeiro e feliz.. Na porta, ainda se volta, dá um sorriso e repete:

"Muito obrigado, mamãe Harder!"

Nós observamos tudo, admirados e confusos! Afinal parece realmente ser uma escola... O moço, ao dirigir-se à senhora, primeiro a chamou de senhora Harder e ela o chamou de meu filho. Ao despedir-se ele usa a expressão "mamãe Harder" por duas vezes. Qual a realidade de tudo isto?

Não podemos nos deter em conjecturas. A sra. Harder (agora já sabemos o seu nome) deixa de lado a costura e sai por uma outra porta. Vai, pelo corredor quase escuro, e bate à porta de um aposento. Bate e abre. No escuro mesmo, ela fala:

"Mathilde, você ainda está acordada?"

Mathilde? Quem será? Filha? Aluna? De qualquer maneira, pelo diálogo que se segue depreendemos que naquele quarto está uma dedicada auxiliar da sra. Harder. Alguém que conhece toda a atividade da casa, todas as dificuldades e que está acostumada a ajudar na busca de soluções.

"Mathilde, sabe se ainda resta algum tecido daqueles que nos mandaram dos Estados Unidos? Não são tecidos muito bonitos, mas são fortes e se houver um pedaço, vai me ser útil. É para fazer uma camisa para o B."

" Que pena, sra. Harder! O último pedaço eu usei para uma roupa para o D. Ele estava quase sem poder ir mais à aula, pois suas calças estavam demasiado gastas. Então o professor Roth falou comigo ( professor Roth? Ah... então é uma escola mesmo!) e eu costurei a roupa. Desculpe, deveria ter-lhe falado."

"Não se preocupe, Mathilde. É provável que o sr. Harder traga algum dinheiro na sexta-feira, então poderemos providenciar uma camisa para o rapaz que necessita."

"Mas, sra. Harder, o pastor chega bem à tardinha. Por certo não teremos tempo de comprar tecido e costurar a roupa necessária. E camisa pronta? Acho que não encontraremos, a não ser muito caras."

"Mathilde, será que temos na despensa algum saco de farinha ou de açúcar vazio? Ou algum que já não esteja tão cheio e que possamos guardar o produto em algum outro lugar?"

"Parece-me que já há uns dois ou três sacos vazios..."

"Então nosso problema está resolvido. Amanhã, lavaremos os sacos, os alvejaremos e depois vamos tingi-los com as tintas que temos. O nosso velho tacho vai-nos ajudar. Depois, confeccionaremos a camisa de que o nosso jovem precisa. Acho que ele vai ficar com uma camisa bem vistosa. Vai ser um tanto trabalhoso, mas posso contar com você, não é?"

"Claro sra. Harder. O B é um bom rapaz e merece que o ajudemos."

A sra. Harder volta para o seu posto perto do fogão. Ela reativa o fogo que quase se extingüira. En-quanto as chamas se reanimam, ela retoma a costura e agora, já não canta... Agora está silenciosa... Parece que seus pensamentos vagueiam... Eles vagueiam e chegam ao dia em que seu querido esposo, atendendo à voz do Senhor e aos seus mais acalentados sonhos, fundou esta Escola.

Uma escola, sim... Pobre, cheia de dificuldades, de problemas quase insolúveis, de alunos dedicados, mas carentes de quase tudo... No entanto, é a Escola dos sonhos de Abraham Classen Harder, o esposo a quem tanto ama e a quem sempre tem procurado ajudar com carinho e dedicação.

Quem é Abraham Classen Harder? De onde veio? O que faz? Por que quis fundar uma Escola?

A história vem de longe...De muito longe no tempo e no espaço. Ela atravessa países e continentes e, cheia de amor, vem acontecer na região sul de um país tão distante. Essa história de amor, de abnega-ção, de coragem e confiança em Deus, tem sua origem no longínquo passado e na distante Europa Longe... muito longe...



Primeira Parte



Os Primórdios



Capítulo 1



De Terras Longíquas



O navio S.S. City of Brooklin singrava as águas profundas do Atlântico. Corria o ano de 1874. Entre os passageiros, havia um grupo que se diferenciava dos outros por sua aparência e por sua postura. Fosse como fosse, porém, todos os viajantes estavam cansados e ansiavam pelo fim da viagem. O destino? Nova Iorque, nos Estados Unidos da América. Aquele grupo que se diferenciava dos outros ia para essa nova terra em busca de liberdade. Não liberdade civil, mas a mais importante de todas: a liberdade de consciência.

Muitas crianças estavam entre os passageiros. Afinal, famílias inteiras estavam se deslocando para a América pelo mesmo motivo . As crianças, por vezes, tornavam-se barulhentas, e para que não incomodassem os outros, os pais as levavam para os camarotes ou se reuniam com elas no convés, inventando brincadeiras mais silenciosas ou contando-lhes histórias e cantando baixinho com elas. Johann Harder, um dos viajantes, tinha catorze anos. Ele estava com seus pais e seus irmãos. Não era adulto, mas também não era mais criança. Seu pai o chamava de Johann V. Por quê? Quis saber ele certo dia. O pai, então lhe explicara que ele era o Johann número cinco da família Harder.

"Quer dizer que, antes de mim, já existiram quatro Johann em nossa família ?"

"É isto mesmo" - emendou o pai. - " O tetravô Harder nasceu no oeste da Prússia em 1765. Depois , o seu bisavô nasceu em Molotschna, no sul da Rússia."

" Eles tinham se mudado de cidade?" - quis saber o curioso menino.

"Não só de cidade, mas também de país. Tiveram de mudar-se por causa da perseguição."

A palavra "perseguição", na época, não preocupara o menino, que, atento, continuou a ouvir o pai enumerara lista de seus ascendentes.

O pai lhe contara que seu bisavô, Johann II, nascera em Molotschna, em 1789, e ali vivera até sua morte em 1847. Depois, o avô, Johann III, nascido em 1811, vivera sempre no mesmo lugar. Até morrer algum tempo antes de empreenderem a mudança para a América.

"Seu bisavô foi um homem muito importante, meu filho. Ele foi pastor de nossa igreja e desempenhou destacado papel no desenvolvimento da mesma."

Inda agora, tanto tempo depois, Johann V lembrava-se da maneira orgulhosa e cheia de amor com que seu pai falara do avô. Ele sabia que este fora um líder menonita que merecera a confiança dos membros de sua igreja. Exercera influência positiva em momentos difíceis, quando interesses individuais quase levaram o grupo à divisão. Sua voz sábia e cheia de autoridade, com base nos ensinos bíblicos conseguira impedir que os crentes se desintegrassem em vários outros grupos.

Agora, enquanto o navio seguia rumo a novas terras, o jovem Johann Harder, de 14 anos, muitas vezes, olhava com carinho para o pai, ainda novo na idade( nascera em 1836), mas já bastante desgastado pelas lutas da vida. Johann IV, seu pai, também nascera em Molotschna, ali estudara e se tornara professor. Era respeitado por seus alunos. Era um homem de bem e levou muitas pessoas a se filiarem a sua igreja. Dava testemunho de real seguidor dos ensinos de Jesus. Em 1865, porém, quando Johann V tinha cinco anos, a família Harder, com muitos outros vizinhos menonitas, tinha-se mudado para a Criméia.

O rapaz, lembrava-se de que quando perguntara ao pai o porquê dessa mudança de país, o pai lhe dissera:

"Temos de afastar-nos da perseguição."

Outra vez, aquela mesma palavra!

Johann V foi despertado de seus pensamentos ao ouvir que a mãe o chamava para a refeição da tarde. Depois que ceassem, os Harder se reuniriam a outras famílias num canto afastado do navio, quando então, teriam um culto de louvor a Deus. Ele gostava desses momentos, embora, algumas vezes, ficasse constrangido ao notar que alguns passageiros olhavam para o pequeno grupo com ares de curiosidade e até de deboche. Nesse culto, o pai leria a Bíblia, mencionaria pensamentos do irmão Menno Simons que fora um dos antigos líderes da religião deles, depois oraria, dando graças a Deus pelo cuidado e proteção e pela oportunidade de poderem ir para uma terra onde serviriam ao Senhor com tranqüilidade e paz, sem temer uma nova perseguição!

À noite, em seu leito, ouvindo o ressonar dos outros membros da família que dormia, o jovem de catorze anos não conseguia conciliar o sono. Aquela palavra "perseguição" estava como que impressa a fogo em sua mente. Ele já ouvira o pai e outros falarem sobre ela. Johann não havia sentido na pele os horrores de nenhum desses acontecimentos, mas tinha conhecimento das dores e tribulações por que alguns antepassados haviam passado.

Quando, certo dia, perguntara ao pai o porquê de serem perseguidos, este lhe respondera:

"Porque eram menonitas como nós!"

Agora, enquanto o sono não vinha, JohannV rememorava o que sabia a respeito dos menonitas. Afinal, era um deles. Ainda não havia sido batizado, mas o pai lhe prometera que tal fato se daria assim que chegassem ao fim da viagem.

"Você já é quase um adulto, já sabe entender as coisas e é um bom rapaz. Pode receber o batismo tal como a Bíblia ensina! Então, será realmente um dos menonitas."

Menonitas! O rapaz tinha reverente orgulho de seus antepassados. Fossem aqueles ligados à família por laços de sangue, fossem aqueles ligados por laços de fé. Os antepassados haviam sido corajosos em sua fidelidade a Deus e no cumprimento dos ensinos de Sua palavra: a Bíblia.

O movimento surgira nos primeiros anos séculos do Século XVI. Os precursores surgiram na Suíça, através da pregação de Conrad Grebel, que, por sua vez, os recebera de Zuínglio, o reformador. A princípio, foram chamados de anabatistas. Isto por que, em seu desejo de seguir os ensinos bíblicos, estes "protestantes" resolveram abandonar o costume romano de batizarem-se os recém-nascidos. Eram também pacifistas e tinham idéias diferentes dos outros cristãos a respeito da Santa Ceia. Por serem perseguidos por causa de suas idéias, foram-se espalhando por outros países: Prússia, Rússia, Holanda e outros mais.

Na Holanda, os anabatistas tiveram líder chamado Menno Simons. Ele era um sacerdote católico que chegou à conclusão de que as doutrinas anabatistas estavam certas. Perseguido, desligou-se da igreja romana e foi sagrado bispo dos anabatistas. Casou-se e passou a pregar por toda a Europa. Depois de algum tempo, os seguidores de Menno Simons passaram a ser chamados de menonitas

Johann V sentia-se emocionar ao relembrar estes fatos que lhe haviam sido contados pelo pai Geralmente, nos cultos familiares, o pai gostava de relatar detalhes da historia do irmão Simons e da religião menonita que já durava por três séculos! No entanto, em toda a história, havia sempre aquela mesma palavra: perseguição!

Agora, estavam ali, a bordo do S.S. City of Brooklin, rumo a uma terra desconhecida. O pai havia dito que lá já existiam muitos outros menonitas. Estes tinham deixado as estepes russas, muito tempo antes, a fim de ir para um lugar onde teriam liberdade de servir a Deus de acordo com os ensinos bíblicos.

Johann V finalmente adormeceu, embalado pelo ruído das máquinas do navio e pelos sonhos lindos que tecia em sua mente... Ele sabia que, desde o seu nascimento, os pais o haviam dedicado ao Senhor. Os pais oravam por ele e tinham a esperança de que ele continuaria a tradição familiar de ser um líder religioso, um esteio na comunidade menonita. O rapaz, em seus catorze anos, sentia sobre os ombros a responsabilidade de não decepcionar os pais a quem tanto amava. Ele também orava para que o Senhor fizesse dele um verdadeiro herói menonita.

Johann V adormeceu pensado na América, pensando em Deus e no seu desejo de ser um fiel servo do Senhor.



Capítulo 2



Novos Rumos



Nova Iorque! Julho de 1874. O S.S. City of Brooklin chega a seu destino. A família de Johann Harder IV está em sua nova pátria. Agora, é confiar em Deus e construir uma vida diferente daquela que tinham levado até então.

Os Harder, juntamente com outra família menonita, a família de Jacob Wiebe, se dirigiu a uma comunidade de crentes perto de Hillsboro, no estado Kansas. Estas intrépidas famílias sabiam que ali estariam em segurança para guardar suas convicções religiosas. Em toda a América, já havia muitos e muitos grupos menonitas e as próprias leis do país lhes garantiam a liberdade de consciência.

Nem tudo foi fácil! Aprender a língua inglesa tornou-se um desafio, especialmente para os adultos. Todos, porém, sentiam-se felizes por estar numa terra onde podiam seguir seus princípios religiosos sem temor e sem constrangimento.

Com muito esforço e muito trabalho, conseguiram se estabelecer e passaram a uma vida, se não fácil, pelo menos com tranqüilidade e paz.

Papai Harder, o Johann IV, viu os filhos todos crescerem fiéis à doutrina que lhes havia ensinado. Viu muitos americanos aceitarem essa mesma doutrina. Logo tornou-se o líder espiritual de sua comunidade religiosa. Recebeu o título de pastor menonita e, como tal, fez o seu melhor em favor do trabalho do Senhor. Foi líder, ministro, conselheiro e amigo. Faleceu em 1930, aos 94 anos, como valoroso defensor da verdade menonita. Chegou a ouvir a mensagem do advento, mas nunca a aceitou.

Johann V, desde que a família chegou à América, foi um excelente auxiliar do pai nas pradarias dos Kansas. Apesar de ser apenas um adolescente ao chegarem, trabalhou lado a lado com o pai no preparo das tábuas para construírem a nova casa. Aprendeu a cuidar do gado, dos cavalos e a plantar sementes para depois colher e ter alimentos.

Ao chegar à idade adulta, ele adotou a grafia inglesa para o seu nome: Johann passou a ser John. Sempre fiel e diligente, foi assumindo, pouco-a-pouco, a direção da família, à medida em que o pai ia envelhecendo. Tinha tudo para ser um bom fazendeiro e ainda ser o líder espiritual de sua comunidade.

Quanto mais o tempo passava, porém, mais ficava claro que os interesses de John não era pelas coisas materiais, mas sua preocupação maior era com as coisas espirituais. Ele bem sabia que havia sido dedicado ao trabalho de Senhor desde o seu nascimento e era isto que lhe enchia os pensamentos. No final do século XIX, era visto como o mais novo e talentoso ministro da igreja menonita, com um futuro brilhante e a previsão de uma vida sem preocupações financeiras. John Harder amava sua igreja e a ela dedicaria a sua vida, tal como imaginara aquela noite, a bordo do S.S. City of Brooklin... Sim, ele cumpriria os planos que os pais tinham para ele!

Mas isto não seria assim. Deus tinha outros planos para Johann V, ou melhor, John Harder. Na primavera de 1884, quando John tinha vinte e quatro anos, dois jovens, L.C. Conradi e J.D. Shrock vêm a Hillsboro e começam a proclamar a mensagem adventista. Passado um ano, já havia uma igreja organizada com cento e vinte e três membros. A mensagem que os dois forasteiros pregavam concordavam com os princípios defendidos pelos menonitas. Doutrinas como o arrependimento, conversão, batismo por imersão, lava-pés, Santa Ceia, separação entre igreja e estado, a não-violência, não eram estranhas para eles.

Havia, porém, alguns pontos bastante divergentes. Alguns até um tanto difíceis de serem entendidos: a iminente volta de Jesus Cristo nas nuvens dos céus para juntar Seus escolhidos; a obrigatória natureza de o sábado ser o sétimo dia do quarto mandamento e o juízo investigativo. A mais inaceitável, contudo, era a doutrina do sábado, uma vez que a maioria dos cristãos consideravam o domingo como o sétimo dia.

Muitas famílias menonitas começaram a aceitar as novas doutrinas e a se unir ao novo grupo religioso que se formara em Hillsboro. Isto deixou os líderes bastante preocupados. John Harder, no entanto, ficou tranqüilo em seu canto, mais observando do que dando opinião. Nem mesmo quando o pai lhe perguntava alguma coisa a respeito. Começou a ler toda a literatura que conseguia sobre os adventistas. Estas lhe chegavam pelo correio

Um dia, quando John e o pai conversavam, Johann IV disse ao filho:

"Você não acha, meu filho, que devemos, como ministros , alertar os nossos irmãos contra esses intrusos adventistas?"

" Se eles realmente forem intrusos, meu pai, e se estiverem pregando doutrinas falsas..."

John foi reticente, parecendo escolher, com cuidado, aquilo que pretendia dizer. O velho Johann ficou olhando para o filho, esperando que ele terminasse o que queria dizer. Depois de pensar um pouco, o rapaz continuou:

"Parece-me, papai, que o apóstolo Paulo e os outros apóstolos foram também considerados intrusos e falsos. O mesmo aconteceu com Menno Simons e com os outros reformadores. Acho que antes de nos colocarmos contra eles, deveríamos fazer como os bereanos que ‘examinavam nas Escrituras para ver se as coisas eram assim."

O pai comentou que, na verdade, a doutrina da volta de Jesus e a da guarda do sábado não eram idéias novas. Ambas tinham sido pregadas e observadas pelos primeiros reformadores da igreja e antes deles, já tinham sido doutrinas da primitiva igreja cristã.

" Mas estas doutrinas foram sendo deixadas de lado." - replicou John. E então acrescentou:

" Eu me lembro das perseguições que sofreram os anabatistas e os menonitas. Em minha infância, a palavra 'perseguição' nos perseguia como um fantasma. Lembro-me também de que vovô Harder contava-nos muitas histórias desses heróicos cristãos do século XVI. Quando surgiram novas doutrinas, baseadas na Bíblia, também os que as pregavam foram mal compreendidos. Será que o mesmo não está acontecendo agora com os adventistas?"

O pai tornou a repetir que as pregações dos adventistas, na verdade não eram idéias novas, que realmente já tinham sido seguidas por muitos cristãos pioneiros.

"Como tais idéias foram-se perdendo ao longo do tempo, quem sabe o Senhor Deus achou que deveriam ser retomadas e escolheu um povo para fazer isto..." - respondeu o pensativo John.

"Tudo bem, filho. Mantenha o seu bom senso. Sei que você será fiel àquilo que sua consciência lhe ditar."

" Minha consciência é a palavra de Deus, papai. Estudando-a, sei que acharei o caminho que o Senhor tem preparado para mim" - respondeu John Harder.

No seu íntimo, o jovem pregador menonita já se considerava um adventista do sétimo dia.. Seus superiores eclesiásticos o admoestaram repetidas vezes. Ele, porém, continuava a ouvir a voz da palavra de Deus. Finalmente, foi despojado de suas credenciais de pastor menonita. Também lhe foi tirada a carta de membro da igreja. Ele, então, anunciou abertamente sua aceitação às novas doutrinas pregadas pelos adventistas. Era o ano de 1893.

Em seguida, John Harder foi recebido como membro de sua nova igreja. Imediatamente, começou a pregar sua fé numa e noutra escola por onde passava. Ele falava bem e era convincente em seus argumentos. Dentro em pouco, já havia outro bom grupo de adventistas perto de Hillsboro e John Harder era o seu pastor. Preocupado com a educação de crianças e jovens, John foi pioneiro da educação adventista no estado de Kansas. Fundou as primeiras escolas paroquiais em Lehig, Shafer e Nekoma. Depois, fundou uma escola particular em Hooker, Oklahoma. Esta escola atraiu não só alunos das redondezas, mas também um bom grupo de jovens de outras localidades. O lar dos Harder acolheu os jovens que vieram de longe em busca de melhor educação. E o espaçoso lar da família funcionou como primeiro internato adventista da região. Sua gentil e dedicada esposa o acompanhava em seus ideais e o casal pôde induzir muitos jovens aos caminhos do Senhor.

Em 1910, o Seminário Germânico de Clinton ( German Seminary at Clinton) decidiu preparar pregadores que pudessem falar alemão para que levassem o evangelho aos muitos imigrantes de origem germânica. John Harder recebeu o chamado para dar instrução religiosa naquela instituição e o aceitou de bom grado. Deus traçara novos rumos para sua vida, mas ele confiava em que os caminhos do Senhor eram sempre os melhores.

Muitos moços e muitas moças que se formaram nessa escola e se dedicaram à obra missionária, receberam orientação religiosa e treinamento desse humilde, mas dedicado servo do Senhor.

Johann IV, pai de John, viu o filho labutar na obra adventista. Embora o amasse muito, fez ouvidos moucos às insistências do filho para que também se tornasse um adventista do sétimo dia. Como sabemos, faleceu em 1930, fiel aos seus ideais menonitas.

Quanto a Johann V, depois John Harder, a igreja deve a ele a conquista de muitos e muitos jovens para Cristo. Ele passa os seus últimos anos em Shafter, Califórnia. Descansou no Senhor, confiante no breve retorno de Jesus Cristo. Deixou os filhos John, Abraham, David e Elizabeth, que confirmaram a idéia de que uma saudável herança espiritual e um ambiente favorável fazem uma vida útil e cheia de vitórias.



Capítulo 3



Rumo ao mar!



Abraham Classen, o segundo filho de John, nasceu a 7 de março de 1889, na cidade de Buhler, Kansas. Como seu irmão mais velho, John, ele também se preparou para trabalhar na seara do Senhor. Seguindo os passos do pai, os dois irmãos se preocupavam com a educação da juventude. Ambos tiveram seu preparo intelectual no Seminário Teológico de Clinton ( Clinton Theological Seminary), nome adotado pela escola em lugar de Seminário Germânico.

Mary Voth, filha de A. J. Vogt, um ministro menonita de Dacota do Sul que aceitara a mensagem adventista, tornando-se dedicado pastor de sua nova igreja, foi estudar no Seminário de Clinton, desejando preparar-se para ser uma missionária. Abraham e Mary se encontraram e se enamoraram. Ambos tinham o mesmo santo ideal de trabalhar para Deus. Foi assim que se casaram a 27 de maio de 1911 e juntos iniciaram o seu ministério no estado de Kansas. Ele como evangelista, ela como instrutora bíblica e organista.

Algum tempo depois, aceitaram um chamado para trabalhar no Canadá como professores. Nos primeiros 2 anos, o missionário trabalhou como professor numa escola elementar. Nos 9 anos que se seguiram, ele lecionou no Colégio Adventista de Lacombe, Alberta. Ali, em contato com a juventude, seu trabalho não consistia apenas em dar aulas. Ele se preocupava em salvar os jovens e em prepará-los para que servissem no trabalho do Senhor. Este era a seu constante objetivo, assim como já fora o de seu pai. No seu afã em ganhar almas, mesmo não estando ligado diretamente ao evangelismo, pastor Harder, muitas vezes, percorria, a cavalo, as estradas geladas do interior canadense buscando almas para Cristo. Durante os 11 anos que passou no Canadá, Mary sempre ajudou na cozinha das escolas, trabalho que exerceu sem remuneração. Foi uma obreira voluntária de tempo integral.

Em 1917, nasce o primeiro filho do casal, Leon Mozart . Em 1921, Mary viajou aos Estados Unidos para visitar seu pai que tivera um ataque cardíaco. Foi assim que Palmer Wilbert, o segundo filho, nasceu em Oklahoma –USA. O pai de Mary faleceu 4 dias após o nascimento do neto.

Abraham e Mary Harder deram o seu melhor nas terras gélidas do Canadá durante o tempo em que lá estiveram. Deus, porém, tinha novos planos para eles.

1922... A vida do casal Harder e de seus dois filhos deveria dar uma guinada irreversível. Maravilhosos os caminhos de Deus! Na Sua onisciência, Ele estava preparando uma magnifica missão para os dedicados missionários. 1922...O casal Harder recebe da Associação Geral da Igreja Adventista, o convite para trabalhar no Brasil. No ponto extremo desse país: o Rio Grande do Sul. O chamado era urgente. Quão preocupados ficaram Mary e Abraham. Ir, praticamente, de um extremo a outro do mundo, aprender nova língua, conviver com pessoas de outra cultura! Quão difícil lhes pareceu tudo a princípio. Mas eles não eram de fugir dos desafios e das lutas. O chamado era de Deus e eles o aceitariam. As dificuldades? Foram entregues todas nas mãos do Senhor.

Foi assim que o casal de missionários e os dois filhos deixaram as terras geladas do Canadá em busca que de uma terra da qual pouco ou quase nada conheciam. Depois de breve estada nos Estados Unidos, onde visitaram os parentes e receberam as primeiras noções da língua portuguesa, a família iniciou a viagem rumo ao Brasil, rumo ao Rio Grande do Sul, seu novo local de trabalho.

A 7 de março de 1922, embarcam no velho navio Vassary e deixam o porto de Nova Iorque com destino ao seu posto de trabalho no hemisfério sul. A viagem durou 19 dias, tempo que foi aproveitado para ler alguma coisa sobre o Brasil e para tentar aprender mais um pouco da língua portuguesa que tão difícil lhes parecia.

Chegaram ao Rio de Janeiro em 26 de março. A cidade maravilhosa os encantou! Leon, o filho mais velho, que já entendia bem as coisas ficou entusiasmado com as quentes praias cariocas. Afinal, depois de 19 dias só vendo águas, as areias brancas eram, realmente, um belo espetáculo. A senhora Harder gostou do calor . Após tanto tempo em terras frias do Canadá, o sol brilhante encheulhe a vista .O pequeno Palmer, certamente, ficou contente de poder de novo caminhar em terra firme. Foram estas as primeiras impressões que a família Harder teve do Brasil.

Antes de viajarem para o Rio Grande do Sul, visitaram a Casa Publicadora Brasileira, editora dos adventistas, em Santo André, São Paulo e também o Colégio Adventista Brasileiro, em Santo Amaro. O pastor Harder participou das comissões da União Sul-Brasileira. Depois, a família ficou mais algum tempo no Colégio para que o casal tivesse oportunidade de estudar um pouco mais o idioma com o qual deveria comunicar-se com o povo da terra à qual estavam chegando.

No início de dezembro, os Harder tiveram o privilégio de assistir à formatura da primeira turma a se formar no Colégio. Para alguém tão preocupado com a educação de jovens, aquele foi um momento de muita emoção. O Colégio, fundado em 1915, formava sua primeira turma de obreiros para a causa de Deus. O lema desses jovens promissores ( havia moças entre eles) era " Rumo ao mar!" Pastor Harder se identificou muito com estes formandos. Ele e sua pequena família tinham, literalmente, feito isto: rumo ao mar!

Nos últimos dias de dezembro de 1922, finalmente a família chegou a Porto Alegre, capital do estado gaúcho. O pastor Harder assumiu presidência da Associação Sul-rio-grandense da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Passaram a morar no bairro da Glória. Em 1925, nasce Neander Calvin, o terceiro filho do casal de missionários. Que alegria! A partir desse momento, os Harder estariam para sempre ligados a esta terra. Afinal, uma parte deles era, agora, brasileira!



Capítulo 4



Nasce o Sonho



Abraham Classen Harder iniciou o trabalho assim que chegou. Havia muito a ser feito e ele não era homem de ficar à espera de qualquer coisa. "Mãos à obra" era o seu lema.

A Denominação Adventista, naqueles idos, não era ainda estruturada como hoje. As distâncias eram enormes, poucos os obreiros e muito, muito a ser feito em favor dos membros da igreja, espalhados num vasto território e também em favor de outros que sequer conheciam o caminho da salvação.

Então, a velha rotina começou outra vez. Viagens longas, dias muito quentes a princípio... Depois o inverno rigoroso... As igrejas tinham de ser visitadas...Perto, longe, muito longe! A pé, de ônibus, em lombo de cavalo, de carroça, de charrete, de trem... Lá se ia o pastor em busca das ovelhas e por que não? Também de seu pequeno grupo de obreiros que também carecia de ajuda, de conforto e de apoio espiritual. Assim, lá se ia ele, intrépido cuidando dos interesses da igreja que lhe fora confiada.

Já na sua primeira andada pelo estado, a fim de conhecer seu campo de trabalho, o pastor Harder notou que, nas igrejas, havia muitos e muitos jovens e crianças. No entanto, em todo o estado sulino, só existiam 5 pequenas escolas paroquiais: Rolante, Campestre, Campo dos Quevedos,. Não-me-Toque e Faxinal de Dentro.

Fazendo um levantamento dos jovens existentes nas igrejas gaúchas, o pioneiro encontrou um bom grupo de jovens espalhados pelas várias congregações. Dentre tantos, poucos teriam oportunidade de ir estudar um pouco mais no Colégio de São Paulo. Alguns até já tinham ido para lá, com pouco preparo, a maioria apenas com o curso primário. O missionário ficou sabendo que muitos, ao chegarem ao Colégio, não conseguiam se ambientar ou não tinham condições intelectuais de acompanhar os outros alunos. Além do mais, alguns que até pensavam em receber melhor preparo, preocupavam-se com a distância entre o Rio Grande do Sul e São Paulo: quatro dias e quatro noites em trens desconfortáveis ou seis dias em navios velhos e sacolejantes. Realmente desanimador!

Grande parte dos jovens, com disposição até de enfrentar todas essas dificuldades, não tinha condições financeiras para tal empreitada. A situação era mesmo bastante difícil. Assim é que apenas uns poucos jovens tinham conseguido receber melhor preparo para trabalhar para Deus, fosse como obreiros, fosse como membros leigos em suas igrejas.

Ao verificar esta difícil situação, o pastor Harder começou a sonhar com a possibilidade de se ter um educandário, aqui mesmo nas terras gaúchas, onde os jovens pudessem, com mais facilidade, estudar e se preparar para os trabalhos do Senhor. Era um sonho de remota realização, ele bem o sabia. Que maravilha, porém, se pudesse ser realizado! A terra gaúcha era rica de jovens, mas pobre de finanças. No passado, até tinha havido uma tentativa de se estabelecer um educandário na cidade de Taquari, onde nasceu a Casa Publicadora Brasileira. Quando, porém, esta se mudou para São Paulo, o pequeno colégio deixou de existir. Foi de efêmera passagem. Por isso, o pioneiro sabia quantas dificuldades teria de enfrentar, caso quisesse levar avante o seu arrojado sonho.

Ao chegar a alguma igreja, o pastor olhava para aquele punhado de rostos jovens, ávidos de conhecimento e imaginava-os numa Escola onde recebessem educação e instrução, além da elementar, para que depois pudessem ir ao colégio de São Paulo, mais capacitados para enfrentar cursos mais avançados para se tornarem pastores e professores. Em sua imaginação, via ainda outros que nem precisariam ir além dos limites gaúchos. Poderiam receber, aqui mesmo, o preparo necessário para terem sucesso na vida e se tornarem cidadãos úteis.

Não raro, em suas viagens, olhando fascinado a paisagem sulina, pensava o pastor Harder:

" Que belo lugar para se construir uma escola de internato!"

O tempo passava... O sonho, longe de desaparecer, cada vez mais falava ao seu coração. Seria realizado algum dia? Só o Pai do céu poderia saber. Humanamente falando, o projeto parecia irrealizável.

Um dia, encorajado, levou seu plano aos administradores da União Sul-Brasileira da Igreja Adventista do Sétimo Dia. A União Sul deliberava sobre os destinos da Associação Sul-rio-grandense. Seu entusiasmo era grande enquanto apresentava seus planos aos superiores. Decepcionado, ouviu deles um retumbante: não! Como iriam fundar uma escola se não havia dinheiro para isto? É claro que os jovens gaúchos mereciam receber educação e instrução, mas ainda não era o momento certo para se empreender uma atividade tão arrojada! Ante a insistência do missionário, disseram-lhe que era um visionário, acalentando idéias impossíveis. Voltasse para o sul e não se preocupasse mais com o assunto.

O pioneiro calou-se. Mas não se esqueceu do seu sonho. Certamente, chegaria o dia em que os administradores veriam com outros olhos a necessidade de se ter, em terras do sul, um lugar de refúgio para a valente mocidade destas plagas

. Os trabalhos à frente da Associação Sul-rio-grandense ( denominada, na época, Associação dos Adventistas do Sétimo Dia do Rio Grande do Sul), tomava-lhe muito tempo e exigia dele bastante esforço. Não foram poucas as vezes em que pastor Harder, só ou acompanhado de outro pastor, viajava quilômetros e quilômetros em lombo de cavalo ou em rústicas carroças, já que havia membros da igreja em recônditos tão distantes aos quais ainda não chegara estrada que permitisse um meio de transporte mais cômodo. Por vezes, o cansaço era tanto que quase lhe minava as forças. Mas nem mesmo nestes momentos difíceis, ele se esquecia do seu sonho. E como poderia esquecer?

Por todos os lugares por onde andava, lá estavam os jovens para aumentar a sua ansiedade. Cada vez que conversava com um deles, mais o missionário se convencia da urgência de se criar uma Escola em terras gaúchas. Toma coragem e mais uma vez vai insistir com os seus superiores. Apresenta-lhes argumentos quase irrefutáveis. Havia tantos jovens, moços e moças necessitando de se desenvolver intelectualmente... A Obra precisando de gente preparada para o trabalho... Por que não levar avante o plano?

De novo, um sonoro: não! Havia já o Colégio de São Paulo. A própria Associação sulina tinha que dispor, periodicamente, de verba para ajudá-lo. Como se poderia pensar no encargo de uma outra escola?

Não foram poucas as vezes em que o missionário foi taxado de sonhador e visionário. Outras línguas mais ferinas usavam termos mais acintosos quando se referiam a ele. Finalmente foi-lhe dado um "basta"! Que não falasse mais naquele assunto. Escola de internato no Rio Grande do Sul era uma idéia totalmente descabida e assunto encerrado!

Assunto encerrado? Não para o nosso pioneiro. Ele não era homem de desanimar quando sentia que Deus o estava guiando. Algum tempo antes, ele havia lido um livro chamado " O apóstolo moderno da fé". Este livro fora escrito por George Mueller. No livro, o autor contava como havia fundado um orfanato em Bristol, Inglaterra, e como o havia mantido apenas com fé e orações.

Esta lembrança trouxe novo ânimo ao pastor Harder. Se Deus havia atendido a George Mueller, providenciando-lhe meios para manter o seu orfanato, por certo, poderia também fazer o mesmo em favor de um internato para o Rio Grande do Sul. Ele e sua esposa não vinham orando perseverantemente para que um caminho fosse aberto?

Com emoção, ele pensou em sua amorável esposa Mary e nos filhos. Todos partilhavam de seu sonho. Às vezes, quando o desânimo o ameaçava, ela, a fiel companheira, o incentivava. Se o plano vinha da parte de Deus, por certo Ele daria um jeito para que o sonho se tornasse realidade. Agora era orar... orar... e orar...

Estes pensamentos lhe serviram de novo vigor. George Mueller conseguira. Com a ajuda do Senhor, Abraham Classen Harder também conseguiria!

" Se Deus é por nós, quem será contra nós?"



Capítulo 5



Sob as ordens de um anjo... finalmente!



Fins de 1927 ou, quem sabe, inícios de 1928. Os Harder já estavam há quase 5 anos no Brasil. O pequeno Neander, o brasileirinho, já pronunciava as primeiras palavras, misturando inglês e português... e a escola ainda era um sonho.

Houve um dia em que Mary e Abraham chegaram à conclusão de que, se quisessem mesmo construir uma escola, teriam de fazê-lo por sua própria conta e risco. Estava mais do que certo de que não receberiam apoio ou ajuda oficial de nenhum setor da Igreja.

"Não podemos contar com mais ninguém a não ser com o Pai celeste" - disse Mary. - "E se temos de dar esse passo, não podemos demorar muito. Enquanto estamos esperando, é bem provável que muitos jovens estejam indo para escolas mundanas e acabem por perder a fé. Isto não pode acontecer!"

Ele bem o sabia! Mas para construir uma escola por conta própria, teria de usar todas as economias da família. Era bem verdade que a esposa pusera a sua disposição uma herança pessoal que recebera por morte de sua mãe. Não era lá uma grande fortuna, contudo com esse dinheiro, Mary poderia providenciar maior conforto para a família e adquirir algum bem para sua alegria e bem-estar. Teria, então, ele o direito de usar o pouco de que dispunham para realizar o sonho tão acalentado ?

A decisão da esposa, porém era irrevogável. Que a sua herança fosse usada para providenciar um educandário. Quanto ao futuro, nada lhes faltaria, por certo. Os jovens, porém, não podiam esperar mais.

Houve um dia, em que as dúvidas e apreensões quase fizeram o pioneiro esmorecer. Na verdade, o passo que pretendia dar era muito grande e muito arriscado! O que fazer? Orar...sempre orar. Deixemos que o próprio Abraham Classen Harder nos conte sobre este dia.

" Passei muito tempo em meditação e oração. Finalmente resolvi, com o auxílio divino, prosseguir e estabelecer uma instituição. Não encontrei apoio por parte do Organização, por haver demais despesas envolvidas. (...) Após longas horas em oração sobre este assunto, um anjo apareceu a meu lado dizendo: - ‘ não temas! Segue de perto os desejos do teu coração. O Senhor te sustentará e a obra prosperará.’ Então me senti confortado e animado." (1)

Maravilha das maravilhas! Não havia mais temor, não havia mais dúvidas! O Pai do céu enviara um anjo para lhe dar uma resposta e coragem para

avançar! A escola dos sonhos seria fundada, sim, e prosperaria. Não foi esta a mensagem do Senhor através de um anjo? Ele e a sra. Harder conversaram com os filhos mais velhos, que já podiam entender e receberam deles total apoio e compreensão. Mais uma vez, a esposa ofereceu sua herança para realizar o sonho do esposo. O sonho que não era só dele. Era dela também. Tudo daria certo... O Senhor o prometera!

Começaram, agora, a procurar um lugar adequado e cujas posses lhes permitissem adquirir. Numa próxima viagem, o pastor Harder examinou várias regiões, levando em conta a localização, a proximidade de igrejas e outros quesitos importantes. Depois de vária considerações, chegou à conclusão de que as proximidades da cidade de Taquara seriam um bom lugar. A cidade não estava muito longe de Porto Alegre e era uma região agradável. Além do mais, a família Bergold, adventistas de longo tempo, tinha uma bela propriedade da qual poderia dispor por um preço razoável.

Depois de muita oração, a decisão foi tomada. Em meados de novembro de 1928, efetuou-se a compra da fazenda onde surgiria a tão ansiada escola. Nela já havia um rebanho de gado, cavalos, uma junta de bois para o trabalho e algumas máquinas. A propriedade custava 95 contos de réis em dinheiro da época. A entrada foi de 15 contos e o resto seria em prestações anuais, conforme se pudesse pagar e a baixos juros. Na madrugada do dia seguinte ao da compra, o casal de missionários regressou a Porto Alegre para preparar a mudança. Era o início da realização do sonho!

Finalmente! Estava fundado o educandário dos sonhos do pastor Harder! Era 14 de novembro de 1928! Muito empenho, muita prece, muito trabalho, uma herança pessoal, tudo em prol da juventude. Uma casa foi alugada nas proximidades da fazenda. Ali se abrigaria a família Harder e também os primeiros alunos que procurassem a novel Escola. O imóvel que a família possuía em Porto Alegre foi vendido e os recursos utilizados nas necessidades da instituição recém fundada.

Que nome se daria a este refúgio da juventude? Não foi preciso muito esforço.

Certa noite, logo após a mudança para Taquara, a família estava no quintal apreciando o belo céu do hemisfério sul.

Comentavam o brilho desta ou daquela estrela, desta ou daquela constelação. De repente, alguém chamou a atenção para o Cruzeiro do Sul que brilhava no céu escuro. Falaram sobre a beleza do grupo de estrelas e sobre o fato de ser o Cruzeiro um ponto de referência no processo de orientação. Ao ouvir isto a sra. Harder disse:

"Cruzeiro do Sul é um belo nome para a nossa Escola. Além de ser um bonito nome, é também significativo. Nós queremos que a nossa Escola brilhe como o Cruzeiro do Sul e que também sirva de guia e orientação para os jovens que para cá vierem". Todos concordaram que realmente não poderia haver melhor nome. Assim surgiu o Colégio Cruzeiro do Sul, escola de propriedade do casal Harder e que deveria se tornar um marco para a juventude adventista do Rio Grande do Sul.

(1) De um depoimento do próprio pastor Harder



Capítulo 6



Chegam os primeiros alunos



Início de 1929. O Colégio Cruzeiro do Sul não é mais sonho. É realidade! A família Harder já se instalou nas proximidades da fazenda. Ernesto Roth, chamado para ser o primeiro professor, marceneiro habilidoso vai construir o prédio de aulas ( e de muitas outras necessidades). Pastor Harder adquirira, na cidade de Taquara, uma casa de madeira que seria demolida. A madeira, em bom estado, seria vendida a preço de ocasião a quem se propusesse a demolir o prédio. O preço? Um conto de réis! Prof. Roth, com auxílio de alguns voluntários, cuidadosamente desmanchou a casa e a madeira foi trazida com muito cuidado para que não sofresse danos. Foi necessário comprar um pouco mais de madeira. Então, o professor iniciou a construção. Este prédio, quando pronto, seria usado para as aulas. Em cima, haveria acomodações para o professor e, em caso de necessidade, para abrigar alunos.

Hugo Bergold convidado para cuidar da fazenda, já plantara verduras e legumes. Pastor Harder iniciara o plantio das primeiras árvores frutíferas, que chegariam a 1000! Mary, a missionária, adquirira mais panelas, pratos, xícaras e demais apetrechos domésticos. A família aumentaria e muitas coisas seriam necessárias. Mathilde Kohler, a abnegada auxiliar, também missionária no sentido real da palavra, estava a postos para o que fosse necessário. Não está tudo bem pronto ainda. Mas que venham os primeiros alunos!

E eles vieram! Eram apenas 6. Todos rapazes. Ainda não havia maneira de se receberem moças. Entusiasmados, prontos a quaisquer sacrifícios para que pudessem receber a tão almejada educação cristã. Bem sabiam que tempos difíceis os esperavam. Jovens dinâmicos, porém, acostumados às peripécias da vida, não temiam desafios.

Alguns dos primeiros alunos internos vieram das cidades próximas a Taquara. Outros vieram de mais longe e outros ainda de muito... muito longe! Foi o caso dos três irmãos uruguaios que vieram desde a fronteira, a cavalo. Além das montarias, trouxeram mais alguns animais para oferecerem como pagamento de sua estada na escola.

Não havia ainda dormitório e o primeiro prédio não estava pronto. Os alunos foram-se acomodando como dava. Alguns na casa dos Harder, alguns na casa de Hugo Bergold e alguns em velhos celeiros.

Os alunos que tinham noção de marcenaria começaram a ajudar o prof. Roth na construção do prédio de aulas. Refeitório, cozinha e lavanderia funcionavam na casa dos Harder. Esta vivia sempre em alvoroço, pois ali era a "sede" da Instituição.

Quando o prédio de aulas ficou pronto, os rapazes e o professor se instalaram no sótão do mesmo. Agora, sim! Estavam em casa! Quão gratos eram a Deus pelo privilégio! Muitas vezes, conversavam entre si sobre o grande número de jovens que gostariam de estar também num colégio cristão.. e não tinham a mesma oportunidade. Ali, juntos renovavam os anseios de tudo fazerem para não decepcionar o casal que tanto se preocupara em prover uma escola para eles. A gratidão de uma vida toda ainda seria pouca. Quanta alegria lhes enchia o coração!

Levantar cedo demais? Dormir tarde, por vezes? Trabalhar pesado? Nada disso os intimidava. O nome do Colégio não era Cruzeiro do Sul? Pois bem, eles seriam estrelas que brilhariam agora e no futuro.

Em 1930, vieram as primeiras alunas internas. 2 apenas. Que alegria! Tinha havido, em Taquara, a Assembléia Bienal da Igreja Adventista. Assim, ambas vieram para assistir às reuniões, mas trouxeram seus pertences com o objetivo de conseguirem uma vaga na nova escola. Sueli veio de vapor desde a cidade de Taquari até Porto Alegre. Então tomou o trem para Taquara. Marta também viajou muitas e muitas horas de trem. Elas não se conheciam, mas ambas tinham no coração o desejo de estudar, para depois trabalhar na Obra do Senhor.

Não havia dormitório ainda para elas. Assim, uma se hospedou na casa dos Harder e a outra foi para a casa de Hugo Bergold. Em casa dos missionários, já estava alojada Mathilde Kohler. Agora, para poder acomodar uma menina, os três filhos do casal montaram seus quartos no sótão, quente demais no verão, frio demais no inverno. Mas não houve queixas, não houve reclamações. Era uma irmãzinha que estavam recebendo em casa, como irmãzinha também era a que estava em casa do chefe da fazenda. Havia tanto entendimento entre os alunos e os filhos do casal que todos chamavam os pioneiros de papai e mamãe Harder. Se os filhos tinham ciúme? Nenhum! Se todos eram irmãos, nada mais justo que tivessem o mesmo pai e a mesma mãe.

A chegada das meninas trouxe mais alegria e mais beleza à vida de todos. Marta ajudava a sra. Harder na lavanderia. Sueli era a auxiliar de Mathilde na cozinha. Quando sobrava algum tempinho as 4 trabalhavam na horta e dali colhiam todas a verduras de que precisavam para alimentar a família colegial que continuava a crescer e crescer sempre.

Em 1931, o pastor Harder entrou em contato com o Banco da Província do Rio Grande do Sul e fez uma espécie de arrendamento de uma propriedade vizinha à do Colégio. Era uma extensão de terra que se alongava até a localidade chamada Passo do Mundo Novo. Nela havia uma boa casa e para ali a família se mudou. Agora, havia uma casa mais ampla para abrigar a família e todos os outros setores da Escola. Algumas paredes foram removidas para que se conseguisse um amplo refeitório e mais duas salinhas: uma para biblioteca e uma para escritório. Havia ainda uma ampla cozinha, e mais três quartos que passaram a ser usados pelo casal e pelos filhos. Uma espécie de apartamento para a família a fim de que esta pudesse ter, de vez em quando, alguma privacidade. No entanto, quase sempre alguém estava por ali: uma aluna ou aluno recém-chegado, algum doente, alguma visita... enfim, a casa dos Harder nunca estava vazia.

Após essa mudança, providenciou-se imediatamente um dormitório para as moças. Mais algumas haviam chegado. Era pequenino, mas acolhedor. As moças ( não eram muitas) trataram logo de deixá-lo bonito. Plantaram flores na frente e cuidavam do jardim com muito desvelo. Por vezes, se dirigiam aos arredores para recolher esterco para adubar a terra. As pessoas que passavam pela estrada próxima ao dormitório diziam que elas estavam apanhando biscoitos. Logo, o jardim do dormitório passou a ser uma atração para os viajantes que passavam na estrada que cortava a propriedade da Escola e que ia dar às margens do Rio dos Sinos onde havia um pequeno porto que servia para embarque e desembarque de pessoas e mercadorias que iam para Porto Alegre ou de lá vinham.

Convém dizer que a esta altura, já se havia construído um dormitório para os rapazes, pois as acomodações no prédio das aulas estavam insuficientes. A referida estrada real, como era chamada, passava exatamente entre os dois dormitórios. Algum tempo depois, a Escola começou a ter problemas em virtude de pessoas inescrupulosas que por ali passavam. Pastor Harder entrou em contato com as autoridades para que a passagem por ali fosse proibida, uma vez que existiam outros caminhos para o Porto da Paciência. Depois de muita insistência, foi permitida a colocação de uma porteira que impedia a passagem das pessoas. Isto não isentou totalmente o Colégio de preocupações. Vez por outra, alguém mais ousado tentava invadir a propriedade o que causava transtornos à família colegial.

Alguns incidentes desagradáveis ocorreram por causa desta passagem proibida. Pastor Harder, várias vezes foi ameaçado por elementos suspeitos. Certa vez, chegou a ser espancado. Uma vez foi ameaçado de morte. A coisa foi tão séria que o delegado de polícia de Taquara ofereceu-lhe uma arma e sugeriu-lhe que andasse sempre armado para defender-se. O missionário não fez isto. Tal elemento foi preso por ouras razões. Ao ser libertado, disse a alguém que iria em busca do pastor Harder para "terminar o serviço". O delegado, preocupado, mandou dizer ao pioneiro que se cuidasse bastante. Logo depois, mandou-lhe outro recado: o tal elemento havia se metido em uma briga e havia sido assassinado num município vizinho. Embora lamentasse a morte de um ser humano, o pastor deu graças a Deus por não ter mais que se preocupar em defender sua vida. O velho pioneiro, contudo, comentou com alguns alunos:

" Gostaria de ter tido a oportunidade de falar de Jesus a este senhor. Quem sabe, ele teria me ouvido e mudado sua vida. Deus, porém, sabe o que faz."

Era assim Abraham Classen Harder. Confiança irrestrita nos planos de Deus.



II Parte



A Escola... ontem



Capítulo 1



Primeiro dia de aula



11 de março de 1929! Abraham e Mary Harder estão felizes. Hoje é o grande dia! Grande dia, por quê? Porque a sonhada Escola, pela qual tanto lutaram, vai ter o seu primeiro dia de aula.

Escola? Essas pequenas casas que pertenciam a uma fazenda? Escola? Verdade que há um prédio de madeira, com aparência de novo. Está bem pintado e bem construído, mas se o olharmos bem veremos que foi feito de madeira já usada. Nome da escola? Colégio Cruzeiro do Sul!

O sorriso da sra. Harder é contagiante. O senhor Harder caminha de um lado para outro verificando se tudo está em ordem. No entanto, esse tudo é ainda tão pouco...

Ele vai em busca de um jovem com características germânicas. Quem é ele? Ernesto Roth. Jovem recém-chegado da Alemanha. Ernesto, jovem idealista, marceneiro de qualidade, construiu a casa onde serão ministradas as aulas. Ainda bem que ele é bom profissional. A madeira, embora de boa qualidade, não é nova... Ele teve de arrancar tantos pregos!

Aquela casa velha que o missionário adquirira, fora bem aproveitada. Agora, o prédio aí está. Remodelado, pintado de branco, ficou até bonito. O professor-marceneiro fez também as carteiras, a mesa, as cadeiras... Agora, está esperando seus alunos. Alguns poucos são internos, ou melhor, moram na casa da família Harder. Só rapazes. Outros virão das poucas casas próximas da escola. Um ou outro virá da cidade de Taquara. Entre os externos, há algumas meninas.

Como virão? O pioneiro não sabe exatamente. Enquanto o professor Roth ajeita algo aqui e acolá, pastor Harder relembra os esforços feitos para que este dia se tornasse uma realidade. Sabe que nem tudo será fácil. Pelo contrário, será tudo muito difícil! Mas não se intimida. Deus está velando. Não lhe dissera Ele por meio de um anjo que a obra prosperaria? Lança um olhar afetuoso à esposa que, qual abelha laboriosa, ajeita o que acha ainda não estar bem para receber seus primeiros alunos. Dedicada esposa! Como o ajudou! Como!

Os primeiros alunos começam a chegar, despertando o pioneiro de seus devaneios. Há alguns de mais idade, alguns rapazotes e até, uns bem pequenos. Uns vêm a pé; outros, a cavalo; outros de charrete. A eles se juntam os três filhos do casal. Neander ainda é pequeno, mas vai alegre acompanhando os irmãos Leon e Palmer. São 27 ao todo. Que miscelânea bonita! Que alegria!

A sra. Harder saúda a todos. Pastor Harder os olha com carinho e o professor Roth, gentilmente, os conduz à sala de aula. Alguns parecem tão tímidos! Alguns, já moços feitos, sequer sabem ler. Outros, maiores ou menores, já têm alguma escolaridade. Como fará o professor? Cada um tem um grau de instrução diferente. E agora?

Amor! Muito amor! Sob a proteção dos céus e com muita dedicação, tudo poderá ser contornado. Os alunos são dóceis e estão ávidos por aprender. O professor tem certeza de que tudo dará certo.

Os alunos se acomodam nas toscas escrivaninhas. Não há cadernos. Apenas uma pequena lousa onde cada um vai escrever com uma espécie de giz. Ali farão as tarefas que o professor lhes propuser.

O fundador diz algumas palavras de saudação. Faz uma prece a Deus entregando-lhe os alunos e professor. Então, a aula começa.

O professor se põe a ensinar. Também para ele, nem tudo será fácil. Tem algumas dificuldades com a língua portuguesa. Existe solução, porém. Quando ele se atrapalha com alguma palavra, ele a pronuncia em alemão e logo um aluno vem em seu socorro. Há alguns alunos de origem germânica que sabem os dois idiomas.

Depois de algum tempo de aula, o professor propõe que cantem algum hino. Os alunos cantam com entusiasmo. O professor Roth também canta com animação. Em alguns momentos, porém, ele se esquece de olhar ao hinário e se põe a cantar em alemão... Ao alunos se entreolham e alguns deles resolvem acompanhar o professor cantando também em alemão.

Logo, tudo volta ao normal. O mestre continua a sua aula. Tem que fazer um levantamento sobre o que cada um já sabe. Tem que agrupá-los de acordo com o nível que apresentarem. Os grupos serão heterogêneos no que respeita à idade. Ele sabe que terá muito trabalho. Certamente precisará fazer serões para ajudar a um e outro. Sabe que os alunos internos terão de trabalhar duro, não só por que há muito trabalho a fazer na escola, mas também por que têm que pagar suas despesas com esse trabalho. São todos muito pobres. Alguns vieram quase que só com a roupa do corpo. A sra. Harder tivera de confeccionar, às pressas, alguma roupa para que pudessem ir à aula. Interessante - pensa o professor- os internos, vivendo na casa do pastor Harder, ouvindo os filhos chamarem o casal de papai e mamãe , passaram a chamá-los assim também. Então, papai Harder e mamãe Harder passou a ser o tratamento usual na escola. E era isto mesmo o que eles eram. Verdadeiros pais para aquele pequeno grupo de alunos pioneiros do Colégio Cruzeiro do Sul.

Agora, olhando para um e para outro, interno ou externo, o jovem professor propõe, no seu coração, fazer o que puder por eles. Quem sabe, muitos dos que estão ali assentados, serão, um dia, estrelas na obra do Senhor ou nos destinos desta pátria gentil que o acolheu... O professor pensa no futuro... Qual será o futuro destes jovens que o olham com tanto interesse?

Mais um pouco e a aula terminará. Então, o professor vestirá roupa de trabalho e irá ajudar no que for necessário. Pastor Harder em breve retornará a Porto Alegre para atender seus compromissos frente a Associação Sul-rio-grandense, da qual continuará a ser presidente. Então ele, o professor ficará ali para ajudar a senhora Harder no que for preciso. Ela conta com a sua ajuda e com a de Hugo Bergold. Ambos farão a sua parte com prazer.

Mathilde Kohler, dedicada auxiliar de mamãe Harder, tem de fazer muita comida. Os alunos internos trabalham muito e comem...comem...comem... Mathilde faz o seu trabalho com alegria. Empenha-se em aliviar as cargas da missionária a quem admira e a quem dedica um grande afeto. Salário? Mathilde nem se preocupa com isto. Seu prazer está em ajudar a este valoroso casal que tanto se preocupa com a educação dos jovens.

A voz de um aluno traz o professor Roth de volta à realidade. Está na hora de terminar aula. Recomendações são feitas. Uma oração se eleva ao céu pedindo a Deus que proteja a todos os alunos e então, aquele grupo feliz sai da sala de aula. 11 de março de 1929! Primeiro dia de aula do Colégio Cruzeiro do Sul: a Escola dos sonhos do casal Harder.



Capítulo 2



E o tempo foi passando...



Fundada a Escola, iniciado o primeiro ano letivo, urgia, agora, prover os meios necessários para que tudo continuasse a crescer. A preocupação maior do casal- fundador era que, todo jovem que viesse em busca de educação, pudesse recebê-la, tivesse ele o dinheiro necessário ou não. Os primeiros que vieram tinham muita fé, muita esperança, muito desejo de vencer, mas quase nenhum dinheiro. Alguns sequer tinham a roupa necessária. Mamãe Harder e Mathilda tomavam sacos de farinha e de açúcar, alvejavam-nos, tingiam e com eles confeccionavam roupas para os mais necessitados e os necessitados eram quase todos...

Como havia um bom rebanho bovino nas terras adquiridas, o pastor Harder montou uma pequena fábrica de laticínios. O sr. Hugo Bergold, chefe da agricultura e da pecuária, foi um bom auxiliar nos primeiros 2 anos. Mamãe Harder e Mathilde também ajudavam, apesar de todo o trabalho que tinham a fazer na cozinha e na lavanderia. O professor Roth, depois das aulas, trabalhava em sua marcenaria preparando móveis para a escola que crescia. Quando sobrava um tempinho, porém, ele também dava a sua contribuição à fabrica de laticínios. Pastor Harder, nos primeiros tempos continuou a atender seus trabalhos na Associação Sul-rio-grandense, mas quando vinha a casa, dava uma maõzinha no preparo de queijos e manteiga. Os alunos iam aprendendo os trabalhos e cada um fazia a sua parte com alegria e disposição.

Em dias certos da semana, os dois meninos Harder, Leon e Palmer e mais alguns alunos ajeitavam a velha carroça, atrelavam a ela o cavalo Chico e lá se iam para a cidade oferecer manteiga fresca, requeijão e queijo. Levavam também verduras, ovos, aipim, batata e milho. No pomar, havia centenas de arvores frutíferas, sobressaindo-se as frutas cítricas, as pêras, os pêssegos, as ameixas, etc. Após separarem o necessário para a alimentação dos alunos, levavam o que sobrava para vender.

Os produtos eram bons e os alunos que os vendiam eram muito educados. Em pouco tempo, já havia uma clientela certa e que, a cada dia, aumentava mais.. . Papai do céu velava e, apesar das lutas, sempre havia dinheiro para as necessidades mais prementes. Pastor Harder, a cada fim de mês, trazia seu salário e este era colocado à disposição da sra. Harder para comprar o que fosse necessário para o bom andamento da Escola.

Durante o primeiro ano, a missionária dirigiu o refeitório, a cozinha, cuidou das roupas e de outros afazeres que uma casa requer. Mathilde Kohler esteve sempre ao seu lado, mesmo sem ter um salário fixo. Ela preparava panelas e panelas de bom alimento. Quando tudo estava pronto, os alunos eram chamados. Mas, ás vezes, alguém, mais distraído não ouvia o chamado e terminava por se atrasar. O problema foi solucionado. Como não havia dinheiro para se comprar um sino, foram conseguidos dois pedaços de trilho de trem. Assim, quando era hora da refeição, batia-se um trilho no outro. Era um som suficientemente alto para que todos ouvissem e chegassem a tempo. Então, com que alegria todos devoravam os alimentos preparados, quase sempre, por Mathilde. Ela, sem dúvida, também foi uma heroína que ajudou a escrever a história dos primeiros tempos do Colégio Cruzeiro do Sul.

Nos dois primeiros anos de funcionamento da escola, o pastor Harder ainda continuava a dirigir a Associação Sul-rio-grandense. Por isso, muitas vezes, passava duas ou três semanas sem vir a casa, ou melhor, à Escola.. A tarefa de mamãe Harder era realmente bastante grande.

Por volta de 1931, o missionário passou seu posto a um sucessor e dedicou todo o seu tempo à nova instituição. Por essa época, o sr. Hugo Bergold deixou seu trabalho na Escola para dedicar-se a outras ocupações. Assim, a presença do pioneiro em seu colégio era imprescindível. Tendo se desligado de seu posto, o pastor Harder deixou de receber mensalmente o seu salário. Por isso, a única fonte mais segura de renda deixou de existir. Agora, era necessário tirar todo o lastro financeiro da própria instituição. Foi dado, então, um maior incremento à fábrica de laticínios. Começou-se também a criar abelhas para se ter mel para uso dos alunos e para ser vendido.

Já no segundo ano, foi necessário chamar um outro professor para auxiliar o professor Roth. Foi ele Donato Dornelles. Ele estudava e lecionava. Era um professor-aluno ou aluno-professor e fez um bom trabalho.

No final de 1931, alguns alunos saíram a colportar, tiveram êxito e puderam trazer algum dinheiro para custear suas despesas escolares. Isto foi providencial para o desenvolvimento da Instituição. Dificuldades, sempre existiam. Iam, porém, sendo vencidas com esforço e confiança em Deus. E Ele jamais faltou, mesmo nos momentos de grande e quase insuperáveis crises.

Alguns fatos notáveis aconteceram nos dois primeiros anos de funcionamento da escola. Um deles, foi a intervenção de um anjo num momento de crise. Uma crise de falta de alimentos. Certo dia, após servir o jantar, a sra. Harder disse ao esposo que não teriam mais alimentos suficientes para a refeição da manhã seguinte. Preocupado, sem ter o que fazer, o pioneiro foi em busca de orientação dos céus. Enquanto orava fervorosamente, um anjo apareceu ao seu lado e lhe disse:

"Não temas! Haverá alimentos suficientes até que a crise passe."

E assim foi. No outro dia, quando papai Harder veio tomar a sua refeição matinal, todos já se haviam alimentado, e nada faltou. Deus providenciou o necessário até que tudo voltou ao normal. Maravilhosos os caminhos do Senhor!

As dificuldades maiores, sobre as quais os alunos nada podiam fazer, não lhes eram contadas. Assim aconteceu nesse momento de falta de alimentos. Parece que papai Harder contou apenas aos filhos mais velhos Leon e Palmer. Os alunos foram dormir sem terem noção de que, no outro dia, nada teriam para comer. Todos notaram, porém, que o diretor estava preocupado e sua esposa também. No culto vespertino, ao orar, o pastor comoveu-se e sua voz ficou embargada. Cada um se dirigiu então aos seus aposentos , percebendo que alguma coisa não estava bem, mas sem saber exatamente o que era.

No dia seguinte, depois do milagre, tudo lhes foi contado com detalhes. O rosto do pioneiro estava como que iluminado por uma luz diferente. Foi então que, comovidos, todos cantaram juntos:

" Se paz a mais doce me deres gozar

Se dor a mais forte sofrer.

Oh, seja o que for, Tu me fazes saber

Que feliz com Jesus sempre sou.

. Sou feliz, com Jesus,

Sou feliz com

Jesus meu Senhor!"

Então, mamãe Harder orou com fervor, dando graças ao Senhor pela maravilhosa maneira como atendeu seus filhos num momento tão difícil.

O alimento, realmente, não faltou até que a crise passasse. Pouco a pouco, tudo foi melhorando. Pôde-se pagar dívidas antigas e tudo foi voltando ao normal.

Alguns comerciantes de Taquara foram bons amigos da Escola, fornecendo, muitas vezes, o que era necessário para ser pago quando houvesse dinheiro. A prefeitura colaborou também, isentando a Escola das taxas de energia elétrica por vários anos.

Em 1931, o professor Godofredo Ludwig e a família se uniram ao pessoal do Colégio. Eles vieram do Colégio de São Paulo e deram, por algum tempo, importante colaboração ao Colégio Cruzeiro do Sul. À medida em que a escola ia crescendo, outros professores uniram-se ao corpo docente, todos dando o seu melhor em favor da Escola que progredia e progredia...

Nos primeiros tempos, as reuniões religiosas eram assistidas na pequena igreja da cidade de Taquara. Sempre havia a participação dos alunos nas mensagens musicais e nas outras atividades. Com o correr do tempo, foi necessário organizar uma igreja na própria escola. Isto foi feito. Que alegria no dia da inauguração! Ela foi chamada " Igreja Adventista Cruzeiro do Sul", para se harmonizar com o nome do Colégio.

Pastor Harder, auxiliado por outros professores, liderou classes batismais a cada ano. Durante o tempo em que ele liderou a escola, 84 alunos foram batizados! Quando ele entregou a "sua" Escola à Associação, a Igreja Cruzeiro do Sul já estava com 150 membros!

Em 1932, realizou-se a primeira formatura. Pastor Harder parecia estar sonhando outra vez Eram os seus primeiros "filhos". Os primeiros frutos do abnegado trabalho de Abraham e de Mary Harder. Eram 10 alunos. Apenas 10! Mas que vitória! Que momentos de emoção, de alegria, de gratidão!

Com que seriedade, aqueles 10 jovens sentaram-se à frente, na igreja, naquele dia. As palavras ditas naqueles instantes, ficaram, para sempre, gravadas em seus corações! Formaram-se naquele memorável dia: Pedro Gonzalez, Paulo Gonzalez, Eugênio Weidle, Reinholdo Schuck, Paulo Rockel, Harry Bahr, Gustavo Bergold, Boni Renck, Henrique Bergold e Rosa Souza. Um bonito grupo. Um grupo pioneiro!

Os anos foram passando... foram passando. Cada vez, mais alunos e mais professores. Lutas, muitas lutas ainda, mas o pai do céu continuava a velar.

Em 1935, a Associação Sul-rio-grandense interessou-se pela Instituição e ofereceu-se para ajudar a administrá-la, o que foi prontamente aceito pelo casal Harder que teve, assim, sua responsabilidade e seus trabalhos aliviados. Por esta época, a família colegial interna era composta por umas 50 pessoas, mais ou menos. Dificuldades ainda existiam, mas eram enfrentadas com ânimo e confiança. Apesar das lutas, a família Cruzeiro do Sul era feliz!



Capítulo 3



Lutas e Vitórias



Durante os anos em que o pioneiro-fundador dirigiu a Escola de seus sonhos, houve vitórias maravilhosas, mas as lutas também foram grandes.. Não seria possível contá-las todas neste relicário. Há, porém, algumas que merecem ser citadas.

Em 1931 ou 1932, houve uma terrível praga de gafanhotos. O mundo ainda se refazia da grande depressão econômica de 1929 e 1930. O Brasil se ressentia do fato e isto se refletia também na titubeante economia da nova Escola.

A plantação estava bonita. Havia algumas espécies de cereais, legumes, mas a roça maior era a de milho. Com ela, far-se-ia farinha com a qual se poderiam preparar vários tipos de alimento: mingau, sopa, pão, biscoitos, etc. Foi quando apareceu uma nuvem de gafanhotos, tão densa, que cobriu , em parte, a luz do sol. Professores e alunos tentaram afugentá-los, mas foi uma luta inglória. Finalmente tiveram de correr para abrigar-se, sob pena de serem sufocados pelam imensidão dos insetos.

Naquele ano, plantaram o milho 7 vezes e, 7 vezes, os gafanhotos destruíram tudo. Tudo parecia escuro e aterrador. Se não conseguissem uma colheita boa, não teriam a tão preciosa farinha que lhes garantiria parte da alimentação por algum tempo. Como sempre, oraram a respeito. Na oitava tentativa, não houve gafanhotos. A colheita foi farta e a farinha de milho não faltou para a alimentação escolar.

Em outra ocasião, as chuvas foram muitas. O rio dos Sinos, que banhava as terras colegiais, saiu de seu leito inundando tudo. A casa em que a família Harder morava, foi tomada pelas águas. Cozinha e refeitório ainda funcionavam na casa da família. A residência teve de ser abandonada e os Harder foram alojar-se no dormitório masculino por mais de um mês. Ali, a sra. Harder improvisou uma cozinha. Os alunos eram servidos e cada um procurava um cantinho para tomar a sua refeição. Os rapazes iam a seus quartos e a as moças se acomodavam como podiam. Todos, porém, ainda davam graças porque nem todas as dependências foram tomadas pelas águas. Os dormitórios e o prédio de aulas foram preservados. Quando a família pôde voltar para a casa, muita coisa se havia estragado. A parte da cozinha e do refeitório teve de passar por uma boa limpeza. Não houve perda de alimentos, pois todos os víveres foram retirados antes que a enchente chegasse.

Num determinado ano, surgiu um problema muito sério. O mundo estava vivendo o período entre-guerras e, no Brasil, o serviço militar passou a ser obrigatório. Não havia exceção.

Embora na Escola houvesse muitos rapazes em idade de prestar esse compromisso obrigatório, ninguém viera ainda requisitá-los para tal. Em Taquara, não havia quartéis, mas a determinado momento, as autoridades resolveram criar um "Tiro de Guerra", uma espécie de extensão de um quartel, onde os moços poderiam receber a necessária instrução militar. A partir daí, o pastor Harder começou a preocupar-se. Sabia ele que, para que o Tiro de Guerra funcionasse, era necessário um determinado número de rapazes. Assim, ele tinha quase certeza que, mais dias, menos dias, seus alunos seriam chamados para cumprir as leis do governo. Como fariam em relação ao sábado? Ele começou a orar sobre o assunto e a aguardar.

Certo dia, um carro oficial adentrou o portão da Escola. Nele vinham vários oficiais militares. Foram levados ao escritório do diretor e logo expuseram o motivo da visita: os moços de mais de 18 anos deveriam freqüentar o Tiro de Guerra. Era a lei do governo. Além disso, eram necessários mais rapazes para completar a quota exigida para que o Tiro fosse realmente criado. O oficial mais graduado perguntou então ao pastor Harder:

"O que devemos fazer para contar com os seus moços a fim de que tenhamos o número necessário em nosso serviço militar?"

O pioneiro elevou uma prece silenciosa ao céu, pedindo que Deus o ajudasse a dar uma resposta acertada. Ele estava diante de uma decisão muito difícil e não queria tomar nenhuma atitude que pudesse pôr em risco o bom relacionamento da Escola com os militares, mas não queria também expor os rapazes a uma situação que envolvesse dramas de consciência. Então, o pastor Harder respondeu:

" Caros amigos, eu já esperava por esse pedido dos senhores. Estou pronto a atender-lhes se puderem..."

Imediatamente, o oficial o interrompeu:

"O que o senhor deseja?"

"Os senhores terão os meus rapazes no Tiro de Guerra, se lhes for permitido ter livre o tempo entre o pôr do sol de sexta-feira e o pôr do sol do sábado. Eles poderão estar lá nos domingos e à noite, se for necessário. Mas durante as horas do sábado, que são sagradas, eles não poderão servir. Também entendo que não precisarão perder as aulas, pois seria muito ruim para eles".

"É só isso o que o senhor quer?" - perguntou o oficial

Diante da resposta positiva do pastor, o oficial sorriu e disse que estava tudo bem, que não haveria nenhum problema. Os rapazes não perderiam aulas e teriam completamente livres as horas do sábado.

O missionário, porém, conhecia bem os fatos e sabia que as coisas poderiam ficar diferentes, caso houvesse mudança de comando durante o tempo em que os alunos deveriam prestar o serviço militar. Ele passou ao oficial esta preocupação. O oficial, então, prometeu que tal coisa jamais aconteceria. Seriam tomadas medidas para que a liberdade do sábado fosse assegurada mesmo que ocorressem mudanças na direção do Tiro de Guerra.

Assim, os rapazes do Colégio Cruzeiro do Sul cumpriram o seu dever para com a pátria, sempre tendo o sábado livre. Não perderam nenhum dia de aula, pois iam à noite e aos domingos e, no final do ano, receberam , orgulhosos, suas carteiras de reservista.

Além de terem dado demonstração de civismo, estes "filhos do pastor Harder" , como eram conhecidos, deram exemplo magnífico de ordem, respeito aos superiores, responsabilidade e dedicação.



Capítulo 4



Assim era a vida...



Lar e escola... Escola e Lar! Era assim a vida nos primeiros anos do Colégio Cruzeiro do Sul. Os filhos adotivos se juntavam aos três rapazes Harder e eram todos irmãos. Não havia rivalidade entre estes e aqueles. Os filhos legítimos , com carinho, partilhavam mamãe e papai Harder com os outros "irmãos". Tal como numa família, por vezes, algum pequeno desentendimento surgia, mas todos se preocupavam em não permitir que o sol se pusesse sobre sua ira... Assim, os mal - entendidos eram, quase sempre resolvidos sem que os líderes precisassem intervir .

Vez por outra, havia necessidade de uma admoestação mais severa ou até mesmo de alguma punição. Os conselhos vinham sempre em primeiro lugar. Caso de castigo era muito raro. Os alunos eram tão agradecidos pela oportunidade de estar na Escola, que procuravam sempre fazer o seu melhor e aceitar qualquer incumbência que lhes fosse dada. Quando precisavam ser castigados, porém, o fato de ver a tristeza estampada no rosto do casal de missionários, era-lhes, talvez mais penoso do que o próprio castigo.

Que castigos se podiam dar naquela época? O mais comum era a perda de algum privilégio. Deixar de ficar , à tardinha, conversando com os diretores da escola e com os outros alunos; deixar de participar de alguma atividade social que, porventura houvesse... Mas a punição mais doída era aquela em que não era permitido ao faltoso sentar-se à mesa de refeições da família Harder. Isto acontecia sempre aos sábados. Dois ou três alunos eram convidados a partilhar das refeições com a família. Perder esta oportunidade, era realmente uma grande perda.

Durante a semana, sempre que podiam, papai e mamãe Harder sentavam-se apenas com os filhos. Eram esses os poucos momentos em que a família podia estar a sós e os pais aproveitavam para repartir com os filhos algum problema particular da família. Nos outros momentos, o tratamento era igual para todos, fossem os filhos de sangue fossem os filhos só do coração.

Quando havia necessidade de punir um faltoso, a tristeza caía sobre toda a família colegial, pois ver o semblante abatido e triste do pioneiro e de sua esposa magoava a todos. Dificilmente, o faltoso caía em erro outra vez.

Os cultos de sexta-feira à noite e de sábado eram muito especiais. Quando o pastor Harder não estava presente, a missionária ou Mathilde dirigiam os trabalhos. Nos finais de semana, por vezes, algum visitante era convidado a dirigir a reunião.

Já na quinta-feira, à noite, a sra. Harder perguntava a cada um se a sua roupa estava pronta para o sábado. Apesar de a maioria ter roupas muito humildes, ela fazia questão de que estivessem limpas e bem passadas. Mesmo que tivessem algum remendo, tinham que estar com aparência diferente para o sábado. Muitas vezes, as roupas eram tingidas para que ficassem com melhor apresentação e durassem mais.

Na sexta-feira à tardinha, os grupos iam-se juntando nas proximidades da sala que servia de refeitório e se punham a cantar. Às vezes, a sra. Harder vinha da cozinha com as moças e todos cantavam juntos. Quando o tempo permitia, o culto de pôr do sol era, muitas vezes, realizado ao ar livre. Outras vezes, todos entravam cantando no salão e ali o culto continuava. Havia muitos hinos pelos quais os alunos tinham predileção:

" Desce o sol atrás dos montes", "A semana já passou", " Quero estar ao pé da cruz" etc. Os alunos cantavam com vigor. Um contralto, um tenor ou baixo eram improvisados e de pronto havia um coral a louvar ao Senhor. Mamãe Harder, certa feita, ensinou-lhes um hino que não havia ainda no hinário da época. Certamente, alguém o traduziu para ela. O hino falava sobre as bênçãos do sábado. Tudo leva a crer que fosse o hino que diz" Horas benditas, santas e felizes", que está no Hinário Adventista com o número 531. Os alunos o aprenderam com prazer e cantavam-no em todos os cultos de pôr do sol, na entrada do sábado.

Mais tarde, foi conseguido um velho harmônio, então a missionária tocava nele os hinos enquanto os alunos cantavam . Era dada a oportunidade de os alunos escolherem os hinos que desejavam cantar. Escolhas eram feitas, mas sempre havia alguém que pedia os hinos prediletos do casal. Pastor Harder, entre muitos, tinha predileção por " Da linda pátria estou bem longe". Este, era então bastante cantado. Já o predileto da sra. Harder, provavelmente era "Sou feliz com Jesus, meu Senhor." Sempre cantado também.

Após os hinos, havia o momento dos testemunhos. Os alunos eram incentivados a agradecer a Deus, em público, pelas muitas bênçãos recebidas.

De vez em quando, o prof. Roth trazia o seu violino e acompanhava os hinos "arranhando", como ele mesmo costumava dizer. Os cultos eram momentos realmente felizes.

Nos primeiros tempos, as reuniões de sábado eram realizadas na Escola. Um pouco depois, a família colegial passou a freqüentar a igreja da cidade de Taquara. As meninas percorriam os três quilômetros de carroça e os rapazes iam a pé. Todos felizes e contentes Sempre que eram solicitados, os alunos participavam das reuniões, especialmente da Escola Sabatina.

Mamãe Harder gostava de cantar. Muitas vezes, ela cantava em inglês. Por vezes, formava-se um estranho conjunto. Ela cantando na sua língua pátria e as meninas, em português. Ela dizia sempre que Deus entendia bem e aceitava o louvor.

Não era raro haver pouco ou quase nada para cozinhar. Ela, porém, fazia questão de que mesmo que houvesse um único prato, este deveria ser o mais saboroso e o mais saudável possível.

Quando o trabalho diminuía um pouquinho, mamãe Harder gostava de conversar com os alunos. Geralmente, conversava mais com as meninas, pois estas estavam por ali mesmo, pela cozinha. Gostava de contar fatos de sua juventude. De seus tempos de aluna no colégio. De seu namoro, de seu casamento. As meninas ouviam com muito interesse. Os olhos da pioneira brilhavam quando ela falava do velho sonho que sempre a embalara: o de ser uma missionária.. Dizia que ter contribuído para a criação do Colégio era a sua maior alegria, embora as incompreensões e as dificuldades tivessem sido muitas.

Era raro acontecer, mas havia ocasiões em que um véu de mágoa e preocupação toldava o seu rosto. Se alguém lhe perguntava o que estava acontecendo, ela dizia:

"Parece que me esqueci de que o Senhor é o meu pastor". - Então se punha a cantar em inglês, em português, ou misturando os dois idiomas:

" Oh, não consintas tristezas, dentro do teu coração...

Tendo fé firme no Mestre, segue-O sem hesitação."

Para o sábado, ela sempre procurava fazer aluga guloseima especial, para o café ou para o almoço. Às vezes, era um bolo de fubá grosso muito apreciado pelos alunos. Havia também uma salada colorida de vários vegetais, cortados de formas interessantes: rodelinhas, estrelas, quadrados, etc. Estes eram arrumados com arte nas travessas dando um aspecto especial às mesas. Sempre que possível, havia sobremesa. Não era fácil ter-se sobremesa naquela época, por isso, quando isto acontecia, era uma verdadeira festa!

Pastor Harder era um educador de primeira, como já o havia sido o seu pai. À primeira vista, seu semblante sério e sua voz grossa podiam até dar a impressão de que era um homem de pouca conversa. Mas, depois de um tempo ao seu lado, a impressão de desvanecia. Era severo, sim, quando a situação assim o exigia. Mas era justo e bom. Gostava de cantar e de assobiar enquanto trabalhava. Dizia que isto tornava a tarefa mais fácil e agradável. Se via um aluno entristecido, dizia-lhe que cantasse. Costumava falar que o simples fato de a Escola existir já era um milagre, por isso, deviam confiar sempre em Deus. Orar e cantar eram sua maneira de mostrar ao Senhor quão grato era pelas bênçãos recebidas.

Muitas vezes, dividia com os alunos as suas preocupações, a fim de ( como dizia) aumentar neles a confiança em Deus, porque, por mais difíceis que os problemas parecessem, sempre o Pai do céu dava um jeito e tudo ficava bem novamente.

Quando um aluno vinha conversar com ele, espontaneamente, ou a seu chamado, antes de qualquer outra coisa, ele orava com o moço ou com a moça. Isto desfazia qualquer rancor que, porventura, houvesse. Suas orações eram cheias de fé e ninguém tinha dúvidas de que chegariam ao trono do céu.

Um aluno, certo dia, estava desanimado. Tinha muitas dificuldades financeiras e também alguma dificuldade nos estudos. Pensava deixar o colégio e voltar para a roça de onde viera. Foi então conversar com o diretor. Disse-lhe o sr. Harder:

" Onde está a tua fé? Por que fraquejar?" - Então, pôs-se a cantar com a sua voz grossa:

" Oh, sim eu sei, Jesus bem vê, o que eu estou a sofrer..."

Depois, orou com o moço. Disse-lhe palavras de ânimo. Infundiu-lhe confiança na providência di-vina. O moço ficou. Lutou muito, é verdade. Mas venceu as dificuldades. Mais tarde, tornou-se um fiel obreiro do Senhor.

" Papai Harder e mamãe Harder eram verdadeiros enviados de Deus. Dou graças ao Senhor por ter tido o privilégio de conviver com eles." Estas são as palavras textuais daquele moço que, um dia, sentiu o desânimo desaparecer com os conselhos e as orações do homem de Deus chamado Abraham.

A maioria dos primeiros alunos era proveniente do interior do estado, das grotas mais distantes, conforme eles mesmos diziam. Isto se explica pelo fato de a Escola só dispor de trabalhos rurais, trabalhos de agricultura e pecuária. Assim, como quase todos dependiam apenas do trabalho para custear as despesas, necessário era que soubessem as lides campeiras. Os Harder, com muito tato e carinho, iam polindo aquelas pedras brutas, mas que já demonstravam o valor que poderiam ter depois de lapidadas.

Alguns fatos chegavam a ser engraçados até. Certo aluno veio de um dos pontos mais atrasados do Rio Grande do Sul, segundo seu próprio relato. Quase não falava a língua portuguesa, já que em casa, a família se comunicava em alemão. Não sabia vestir-se direito, não tinha nenhum trato social. Acostumado a lidar com animais, por vezes, não conseguia se comunicar com as pessoas.

Os missionários, desde o princípio, viram naquele moço, de faces avermelhadas, vendendo saúde uma pérola de grande preço que precisava ser polida. A tarefa não seria fácil, eles bem o sabiam. Aproveitavam-se, porém, de cada oportunidade para ir mudando o jeitão bronco daquele moço.

Um dia, um dos colegas de quarto do moço recebeu uma carta. Depois de lê-la, deixou-a sobre a mesa. O nosso rapaz, então, na sua ingenuidade, tomou a carta e a leu. Posteriormente, inocentemente, comentou o fato com papai Harder. Só então, ficou sabendo que tal coisa não de fazia. Que ler correspondência de outros era algo que uma pessoa educada não fazia, a menos que o dono da carta, voluntariamente, quisesse que o colega a lesse. O moço aprendeu aquela lição, como muitas outras que lhe foram ensinadas e não mais as esqueceu. Eis suas palavras:

"Devo muito do que cheguei a ser àqueles primeiros ensinamentos que me foram dados por aquele casal de servos de Deus. Quero revê-los no céu".

As atividades sociais eram sempre bem-vindas. Aos sábados à noite, os alunos se reuniam e havia entre eles um entrosamento saudável. Geralmente, ficavam todos assentados, formando uma roda e então brincavam de "minha direita está vaga", " que fruta sou eu?", " quem saiu da roda?" etc. Não havia brincadeiras barulhentas ou aquelas que propiciavam que rapazes e moças se dessem as mãos. Eram, porém, muito divertidas e os alunos gostavam muito.

Quando se prenunciava algum namoro, o caso tinha de ser muito bem estudado, antes que o casal recebesse sinal verde para ter, de vez em quando, algum momento de conversa. Se por uma razão qualquer, o casal de namorados, incidentalmente, passasse um pelo outro durante as atividades do dia, era recomendado à moça baixar a cabeça e só levantar os olhos depois que o namorado houvesse passado. Papai Harder dizia:

" Vocês estão aqui para estudar, não para namorar. Como vão pensar em casar sem ter o necessário preparo para a vida?"

Mesmo assim, os namoros eram inevitáveis, mesmo porque os alunos já não eram mais crianças. O Rio Grande do Sul e o Brasil tiveram a colaboração de muitos casais de obreiros cujo início de vida se deu no Colégio Cruzeiro do Sul. Papai Harder teve o prazer de realizar muitos casamentos.

Os piqueniques eram outra maneira agradável de os alunos se recrearem. Naquela época, dizia-se "convescote". Quando se prenunciava um convescote, todos ficavam muito felizes. Quase sempre, estes eram realizados no terreno da Escola, à beira do rio Santa Maria ( Paranhana). Alguma vez, iam passar o dia num outro lugar aprazível que não ficasse muito distante.

Cantavam-se canções folclóricas e havia uma troca de ensinamentos. Os alunos ensinavam aos pioneiros canções do Brasil e estes, por sua vez, tentavam ensinar a seus pupilos alguma canção em inglês. Isto era realmente difícil! Se nem sabiam cantar bem em português, como iam fazê-lo em inglês?

À medida que outros professores iam-se unindo à família colegial, as atividades sociais se diversificavam. O pastor Harder, porém, sempre aproveitava a oportunidade de, nos piqueniques, ensinar aos alunos lições práticas sobre a natureza. Ensinava-lhes também sobre os cuidados que deviam ter ao caminhar pelo mato, ao atravessar o rio, etc.

Os banhos no rio eram terminantemente proibidos. Se por uma razão qualquer, havia necessidade de atravessá-lo, era escolhido alguém que tivesse bastante experiência. Mas o banho de rio jamais era permitido. Alguma desobediência a este regulamento, poderia determinar ao aluno a perda de seu lugar na escola. Mesmo assim, em determinado dia, umas meninas se aventuraram rio adentro e uma delas morreu afogada. Foi um acontecimento muito triste! Contudo foi uma lição de vida para os alunos. Eles aprenderam que, ao proibir o banho no rio, papai Harder estava protegendo suas vidas.

Algumas vezes, poucas é verdade, foi necessário desligar um aluno da Escola. Os regulamentos eram severos, deviam ser obedecidos. As leis nacionais eram muito rígidas com relação a internatos onde estivessem moças e rapazes. Assim, tudo tinha de ser muito bem estruturado para evitar problemas. Quando tal fato acontecia, os sinais da tristeza transpareciam no semblante do casal Harder. Não raro, na hora dos cultos, quando orava, o missionário mencionava o nome do ex-aluno e, nesse momento, a sua voz ficava trêmula. Por vezes, ele comentava com os outros estudantes os fatos acontecidos e aproveitava para lhes falar a respeito dos deveres dos alunos do Colégio Cruzeiro do Sul.

E era assim a vida naqueles primeiros tempos. Difíceis, mas felizes tempos. Uma vida carregada de lutas, repleta, porém de alegrias e realizações.

Os fatos aqui relatados ocorreram, quase na sua totalidade, nos primeiros três anos de funcionamento da Escola. À proporção que o Colégio foi crescendo, algumas coisas foram mudando para se adaptarem às novas necessidades.

E era assim a vida naqueles primeiros tempos. Difíceis, mas felizes tempos. Uma vida carregada de lutas, repleta, porém de alegrias e realizações.



Capítulo 5



Alguns fatos pitorescos dos primeiros anos



1. A doença do cavalo Chico


Chico era o cavalo que puxava a carroça, único meio de transporte do Colégio Cruzeiro do Sul, nos seus inícios. A carroça buscava os alimentos na cidade, levava algum aluno doente ao médico, servia de "táxi" para quem precisasse ir à estação de trem. O mais importante, porém, é que ela era usada para levar à cidade os produtos que a Escola vendia para conseguir algum dinheiro. Assim, duas ou três vezes por semana, os filhos do pastor Harder e outros alunos iam à cidade levar queijo, manteiga, ovos, nata, verduras e, com isso, algum dinheiro sempre aparecia para as necessidades mais prementes.

Normalmente, a sra. Harder ia, uma vez por semana, comprar alguma coisa na cidade. Quando isto acontecia, já na véspera, os alunos lavavam a carroça com cuidado e procuravam deixar o Chico com o pêlo bem limpo, bonito e brilhante. Jamais desejariam que mamãe Harder passasse algum vexame com o cavalo ou com a carroça.

O casal Harder costumava dizer que o Chico era como um membro da família, porque todos depen-diam muito dele. Por isso, toda a família colegial tinha muito carinho para com ele. Nas sextas-feiras à tarde, quando o pastor Harder podia vir para casa, todos os rapazes disputavam o privilégio de ir, com o Chico e a carroça, tinindo de limpos, buscá-lo na estação de trem.

Certo dia, o cavalo amanheceu indisposto. O aluno que foi tratar dele de manhã, notou que ele estava desanimado. Atrelou-o à carroça, mas nada aconteceu. O Chico não queria sair do lugar. O aluno fez algumas tentativas, mas nada funcionou. Foi chamado o sr. Hugo Bergold, que cuidava das plantações, porém ele não sabia o que estava acontecendo. Comunicaram, então, o fato à sra. Harder. Ela e Mathilde Köhler tentaram descobrir o que o cavalo tinha, mas foi tudo em vão.

Veterinário? Só em Porto Alegre ou Novo Hamburgo, portanto, isto estava fora de cogitações. Papai Harder andava viajando pelo Campo gaúcho, e nem se sabia a data exata de sua volta.

A missionária disse aos alunos que deixassem o Chico descansar aquele dia. Quem sabe, na manhã seguinte, ele estaria melhor. Na manhã seguinte, porém, o animal não tinha melhorado. Nem sequer se levantou de onde estava deitado e não quis nem água e nem comida. Agora, mamãe Harder também começou a ficar preocupada. Se o Chico morresse, eles não teriam outro animal para as lides domésticas. Ela, então, preparou um chá com várias ervas e resolveu dá-lo ao Chico. Não foi fácil. Alguns rapazes o seguraram, outros abriram sua boca e a sra. Harder e Mathilde despejaram o chá, goela abaixo, no Chico.

Na hora do culto, aquela noite, a pioneira falou aos alunos de sua preocupação. De manhã, o cavalo estava na mesma. Os alunos, entre si, já cogitavam da possibilidade de o Chico morrer. A maior preocupação era com mamãe Harder. Como iria ela fazer as compras costumeiras? Quanto aos produtos para vender, não havia nenhum problema. Eles poderiam ir a pé para vendê-los. Afinal, a cidade nem era tão longe!

Três ou quatro dias se passaram e nada de o Chico melhorar. Um grupinho de alunos, então, tomou uma decisão. Se, como o pastor Harder dizia, o Chico era uma espécie de membro da família já que tantos dependiam dele, por que não insistir com Deus para que o curasse? O Senhor sabia o quanto o animal era necessário para a Escola que já enfrentava tantas dificuldades. Verdade que já estavam orando sobre isto. Mas, resolveram fazê-lo com mais intensidade.

Assim, naquela noite, depois que todos foram dormir, um grupo se levantou de mansinho e foi para a cocheira do Chico. Ali, cantaram baixinho hinos de fé, oraram, leram trechos da Bíblia e oraram de novo. Oraram muito e com muita fé. Contaram ao Senhor as suas preocupações. Muitos deles conseguiam pagar suas despesas trabalhando e dependiam do Chico para vender os produtos que conseguiam na horta, nos galinheiros, ou na fábrica de queijo e manteiga. O Senhor sabia também o quanto mamãe Harder precisava da carroça que o Chico puxava. Suplicaram ao Pai do céu que restaurasse o Chico e o mantivesse forte pelo menos até que pudessem ter um outro animal para substituí-lo. Foram fervorosos em seus pedidos. Quando o dia já vinha raiando, foram para seus aposentos descansar um pouquinho.

Logo pela manhã, quando o sr. Hugo Bergold foi olhar o cavalo, notou que ele apresentava sinais de melhora. Mamãe Harder foi chamada e constatou a mesma coisa. Pediu a Mathilde que trouxesse algum alimento especial. Que alegria! O cavalo comeu tudo! Em poucos dias, ele estava lépido de novo. As compras puderam ser feitas, os produtos puderam ser vendidos e, quando papai Harder chegou, a carroça estava limpinha e o Chico tinindo de bonito para buscá-lo na estação.

Os alunos que participaram daquela vigília em favor do cavalo, tiveram sua fé fortalecida. Ficaram seguros de que Deus cuida de seus filhos mesmo quando se trata de curar um animal. O Chico foi o animal da Escola por muitos anos, mesmo quando seus serviços já não eram tão necessários e ele podia ficar sossegado. Morreu de velho!


2. O caso da goiabada queimada

Muitas das moças que estavam no internato também pagavam suas despesas escolares com trabalho. Elas ajudavam a Sra. Harder e Mathilde Köhler nos trabalhos domésticos, e por vezes, também trabalhavam na lavoura. Elas não eram muitas. Havia muita amizade entre elas. Consideravam-se como irmãs, o mesmo ocorrendo em relação aos rapazes. Procuravam ajudar-se mutuamente e quando uma estava sobrecarregada, sempre havia uma colega pronta a dar uma mãozinha.

Tanto a Sra. Harder quanto Mathilde eram ótimas professoras da arte de cuidar de uma casa, cozinhar, costurar etc. Antes de se exigir de alguém algum serviço, este era cuidadosamente explicado e sempre havia ajuda quando fosse necessária . As moças faziam os trabalhos com dedicação, o que não impedia que, por vezes, alguma coisa saísse errada.

Certo dia, os rapazes colheram, no pomar, muitas goiabas para que delas fosse feita uma gostosa goiabada. O doce era feito de duas maneiras: tipo geléia, para se passar no pão e tipo cascão para ser degustada com o queijo Alegria. ( Dois tipos de queijo eram fabricados e vendidos: o Cruzeiro do Sul, mais caro, e o Alegria , mais barato.) Geralmente, aos sábados, a sobremesa era goiabada com queijo Alegria. Não havia quem não apreciasse tal sobremesa.

As goiabas foram descascadas e preparadas para serem cozidas. O cozimento das frutas exigia muito cuidado. Era necessário que a massa fosse mexida constantemente para não se queimar. Alguns rapazes arrumaram tijolos no quintal e ali foi aceso o fogo para cozinhar as goiabas. Uma aluna foi designada para cuidar do fogo e do tacho onde estava se cozinhando o doce. Mamãe Harder e Mathilde foram cuidar de outros afazeres. A moça que deveria mexer o doce no tacho, sem parar, resolveu sair um pouquinho para conversar com alguém. Ela imaginou que um instantinho só não faria nenhuma diferença.

Quando voltou... que surpresa ruim! O vapor que saía do tacho não tinha mais o gostoso cheiro de goiaba. Tinha cheiro de algo queimado... bem queimado. Quando ela passou a pá no fundo do tacho, percebeu que uma camada negra se formara ali. Ela se pôs a chorar. Algumas colegas vieram em seu socorro, porém ninguém sabia como resolver o problema. O que fazer? Chamar mamãe Harder e contar-lhe o resultado de seu descuido era a única solução.

Alguém saiu à procura. Não lhe contou, porém porque a moça chorava. A Sra. Harder quis saber da moça o que havia acontecido. Esta, aos prantos, contou-lhe de seu descuido e pediu perdão. Na sua angústia, ela pedia:

" Por favor, mamãe Harder, faça alguma coisa. Como é que eu vou encarar os meus colegas? Sei que fui descuidada e mereço ser castigada, mas não queria meus colegas ficassem sem o tão esperado doce de goiaba. Todos o estão esperando para saboreá-lo com o queijo Alegria! Eles não vão me perdoar! Por favor, eu sei que a senhora pode fazer algo para corrigi o que eu fiz. Ajude- me!"

A sra. Harder lhe disse que ela realmente fizera algo muito lamentável, traíra a confiança nela depositada, mas já estava suficientemente castigada. Não haveria outro castigo por aquela ação descuidada. Então, contou à moça que, certa vez, o povo de Israel estava precisando de água quando viajava pelo deserto. Encontraram uma fonte, mas a água tinha gosto ruim. Moisés orara ao Senhor e depois colocara na fonte uns pedaços de madeira O gosto ruim das águas desapareceu. Quem sabe, agora o Senhor poderá também resolver o problema do gosto ruim da goiabada queimada. E acrescentou:

" Algo errado aconteceu hoje aqui. Alguém não fez o seu trabalho direito e agora estamos com um sério problema. Sei que a culpada está arrependida e será perdoada. O Senhor sabe que precisamos desta goiabada e que gastamos, para fazê-la uma parte do nosso precioso açúcar. Quem sabe se orarmos a respeito, Ele não nos dará uma solução"

E assim foi. As duas e mais Mathilde e outras moças oraram. A culpada assumiu sua responsabilidade diante de Deus e pediu-Lhe perdão. Esperaram aquela massa esfriar, tiraram-na do tacho e a moça culpada gastou bons momentos lavando aquele tacho queimado. Depois, recolocaram o doce de volta Antes de o colocarem ao fogo, a Sra. Harder foi até sua horta e trouxe de lá algumas ervas aromáticas, usadas para chás, e colocou-as a cozer junto com a goiabada. Desta vez, a moça não se descuidou um só momento. Depois de pronto o doce, que alegria! Não havia nenhum gosto de queimado. Os alunos o comeram com o queijo Alegria e com muita alegria!

Na hora do culto, a moça fez questão de relatar aos colegas tudo o que havia acontecido. Mais uma vez todos compreenderam quão bom era o Senhor. Mostrara o Seu amor até mesmo através de uma goiabada queimada!

3. Pastor Harder e o aluno faltoso

Nos primeiros anos, não havia muitas acomodações para todos. Na verdade, nesses tempos, os alunos internos (só rapazes) tinham seus alojamentos na própria casa da família. Tudo era muito difícil e o dinheiro era pouco. A alimentação era saudável, todos comiam com fartura, mas o casal Harder não permitia desperdício ou queixa com a relação aos tipos de alimentos servidos. Ele sempre dizia que Deus lhes enviara este ou aquele alimento e que todos deveriam participar deles com alegria e gratidão.

Em determinada época, não havia muita variedade na alimentação. A horta produzira pouco, tinha havido muito geada e os alimentos, especialmente frutas e verduras, estavam muito caros. Mathilde, a dedicada auxiliar, tentava inventar pratos novos com aquilo de que dispunham, mas nem sempre lograva êxito. Em algumas refeições o alimento realmente não era muito convidativo. Todos partilhavam dele, porém, sem dizer nada, sabendo que ali estava tudo o que tinham no momento.

Houve um dia em que, para a alimentação da noite, só havia uma sopa um tanto rala. Mas havia pão, leite, queijo e até goiabada. Todos estavam comendo tranqüilos. De repente, um aluno se levantou, empurrou a cadeira e disse:

"Esta sopa nem parece comida. Está horrível! Será que não havia outras coisas para se fazer uma sopa? Eu é que não vou comer esta droga de comida!"

Então, levantou-se empurrou a cadeira e foi em direção da porta de saída, sem dar satisfações a ninguém e sem olhar para trás.

Os alunos se entreolharam, mas ninguém disse nada. O pastor Harder que, nessa noite, estava em casa, levantou-se, dirigiu-se ao aluno e com voz calma, mas cheia de autoridade, pediu-lhe que voltasse para o seu lugar. O rapaz fez de conta que não ouviu e retirou-se da sala de refeições. Pastor Harder não disse nada e voltou para o seu lugar. Os outros alunos ficaram preocupados. O colega não era mau rapaz, mas, às vezes, perdia o senso de bons modos. Por certo, agora o colega seria mandado embora. Logo ele, que ia tão bem nos estudos!

Fizeram o culto, foram estudar e em seguida todos se prepararam para dormir. O aluno faltoso não apareceu até o momento em que deveria haver silêncio absoluto na casa. Seus colegas, preocupados, não conseguiam pegar no sono. Um deles, mais agitado, algum tempo depois, levantou-se e na ponta dos pés, abriu com cuidado a porta e saiu para o pátio.

Foi a vários lugares onde talvez pudesse achar o colega faltoso. Depois de muito procurar, encontrou-o num velho celeiro, onde se guardavam coisas para serem consertadas. Ele também não estava dormindo. Os dois conversaram. O faltoso disse ao colega que pela manhã pegaria suas coisas e iria embora antes que o mandassem. No entanto, ele estava arrependido do que fizera. Nem mesmo sabia explicar como tal coisa pudera acontecer.

O colega lhe disse que pedisse desculpas ao pastor Harder e por certo, o perdão lhe seria dado mesmo que fosse seguido de um castigo. Mas o moço estava envergonhado. Disse que não teria coragem de olhar para o rosto de papai ou de mamãe Harder. Sua falta havia sido muito grave. Especialmente por não ter atendido à ordem de voltar que o pastor lhe dera. O colega, então, insistiu para que ele viesse para dentro de casa, já que a noite estava fria e ali não havia nenhum agasalho para ele. Pela manhã, ele resolveria o que fazer.

Depois de muita insistência, o aluno faltoso concordou e ambos voltaram para casa. Quando já estavam se aproximando, perceberam que alguém estava saindo pela porta da frente. Era o pastor Harder. Os alunos gelaram! Agora eram dois os faltosos, já que sair de casa depois do horário de silêncio não era permitido. O primeiro quis voltar, mas o colega não permitiu. Ele tinha explicações para dar e tinha certeza de que o sr. Harder compreenderia. Engraçado! O diretor não veio para onde estavam os moços. Não os vira. Ele foi para dentro de um pequeno bosque e desapareceu. Os rapazes, agora curiosos, vieram pé-ante-pé para ver o que estava acontecendo. À medida que se aproximavam, começaram a ouvir a voz do pastor Harder. Que hora estranha para conversar com alguém! Ao se aproximarem mais, perceberam que o pioneiro estava orando. Entre outras palavras, ele pedia a Deus por aquele aluno que o desrespeitara naquela noite. Era como se ele estivesse dividindo com Deus suas angústias e seus problemas. Pedia ao Senhor que perdoasse ao moço e que lhe desse sabedoria para saber como lidar com aquele caso. Mencionou que o rapaz tinha tudo para ser um servo de valor, e que por certo, o seria se o Senhor o ajudasse a vencer o gênio um tanto explosivo que, por vezes, ainda levava o aluno a atitudes como a daquela noite.

Nesse momento, o aluno faltoso correu e ajoelhou-se ao lado do sr. Harder e pôs a mão no seu ombro. No exato momento em que o pastor terminou a oração, ele começou a orar pedindo a Deus perdão pelo erro daquela noite. Quando se levantaram, ambos se abraçaram, o moço pediu perdão humildemente e foi perdoado.

No outro dia, ele fez questão de contar aos colegas tudo o que havia acontecido. Cumpriu o seu castigo com alegria e gratidão. Aquele episódio só fez com que os alunos mais admirassem e respeitassem o diretor da Escola. O moço faltoso? Ficou na Escola até estar preparado para ir a São Paulo de onde voltou pronto para ser um obreiro de valor como o querido pioneiro havia predito!

4. O caso da camisa nova

Não sabemos exatamente o ano. 1929, 1930... Não importa. Foi nos primeiros anos de funcionamento da Escola Cruzeiro do Sul. Quase todos os alunos eram muito pobres. Alguns vinham para cá praticamente só com a roupa do corpo.

Sendo assim, a Sra. Harder e sua fiel auxiliar Mathilde Köhler, muitas vezes, passavam horas e horas remendando roupas: calças, camisas, meias, etc Em algumas ocasiões, a roupa ficava com tanto remendo que chegava a ser engraçado. Mas ninguém se importava e ficavam felizes porque alguém se preocupava em arrumar as suas roupas.

Certa noite, já era bem tarde e a Sra. Harder ainda estava consertando algumas roupas. Ela cantarolava enquanto fazia isto. O resto do pessoal já se havia ido deitar. Era uma noite fria. Ela estava sentada perto do fogão a lenha.

De repente, ela percebeu que alguém se aproximava, meio temeroso. Era um aluno muito bom, mas muito pobre. A Sra. Harder, carinhosamente perguntou-lhe o que queria. Ele, bastante acanhado, disse-lhe que, no sábado seguinte, teria de contar a carta missionária na igreja. Havia, porém, um problema: sua camisa melhor estava com o colarinho todo puído. Já havia sido consertado várias vezes, e agora não havia mais maneira de consertar.

A Sra. Harder disse-lhe que não se preocupasse, que ela iria dar um jeito. O rapaz retirou-se satisfeito. No mesmo momento, a pioneira foi à procura de sua auxiliar. Vez por outra, vinham dos Estados Unidos alguns metros de tecido com os quais se fazia alguma roupa para os alunos necessitados. Quando a Sra. Harder falou com Mathilde, esta lhe disse que não havia mais tecido, pois ela tinha usado o último pedaço para fazer calças par um aluno que delas precisava.

No outro dia, mamãe Harder e Mathilde tomaram uns sacos de farinha, lavaram, alvejaram-no ao sol. Depois o tingiram e foi feita uma camisa para o moço que iria participar da Escola Sabatina contando a carta missionária. Nos sábado, lá estava ele, feliz, louvando ao Senhor por tê-lo trazido a esta Escola, onde havia alguém tão especial como a Sra. Harder. Ou melhor, mamãe Harder!


5. Difícil de aprender

Dentre os primeiros alunos que vinham à Escola Cruzeiro do Sul, havia muitos que mal sabiam ler. Muitos eram oriundos de lugares tão remotos aonde era difícil chegar, e nem se ouvira, por lá, falar em professor. Assim, nem sempre era fácil aprender as lições que eram ensinadas. Ao contrário, para alguns, era até muito difícil! Por vezes, as dificuldades eram tantas que o aluno chegava a pensar em desistir e alguns desistiam mesmo e voltavam para casa. A maior parte, porém, lutava, lutava e pouco a pouco, ia- se ajeitando com os livros, os cadernos e as lições.

Prof. Roth era bastante paciente e amigo. Era humano, porém, e, às vezes, quase perdia a paciência com um ou outro aluno. Normalmente, após esses momentos de pequena impaciência, o professor retornava à serenidade e se desdobrava em favor do aluno que apresentava grandes dificuldades.

Havia, na Escola, um moço que viera de um local muito distante, com um nome muito estranho e que, por mais que se procurasse no mapa, tal lugar não era encontrado. Esse moço falava tão errado, a ponto de , por vezes, não ser possível entender o que ele dizia. Quando lhe foi perguntado se sabia ler, ele respondeu afirmativamente.

Na primeira aula a que assistiu, o moço ficou muito quieto. Não conversou com ninguém e mal respondeu ao que o professor lhe perguntou. Na hora de escrever, o prof. observou que ele ficava riscando, riscando, mas parecia não escrever nada. A olhar seu caderno, o professor percebeu que ele apenas copiava as palavras em letra de imprensa, tal como estavam escritas no livro.

Após o término das aulas, o prof. Ernesto Roth pediu ao aluno que ficasse um pouquinho para conversarem. O professor fez-lhe algumas perguntas e insistiu em saber se ele realmente sabia ler. Mais uma vez, ele insistiu que sabia. O professor, então, tomou o livro, apontou o título: "A chuva" e pediu-lhe que lesse. Então, o aluno começou :

"C...h...u...v...a."

O professor apontou outra palavra. O aluno "leu" do mesmo jeito, apenas pronunciando o nome de cada letra. Era assim que ele sabia ler... mencionado o nome de cada letra. Para escrever, era a mesma coisa. Ele copiava o que estava escrito, mas não sabia ler as palavras. E agora, o que fazer?

Naquela noite, o professor trocou idéias com a senhora Harder. Papai Harder estava viajando e demoraria alguns dias até voltar para casa. Cabia a eles dois a decisão. Não havia estrutura para que se ficasse com um aluno que não era alfabetizado. Não havia quem pudesse ensinar-lhe em outro momento porque todos tinham de trabalhar e trabalhar muito! O rapaz, desesperado, não queria deixar a Escola que já amava e considerava seu lar.

Ele foi conversar com mamãe Harder. Disse-lhe que não sabia que ler era algo diferente daquilo que ele aprendera. Mas ele tinha certeza de que poderia aprender a ler corretamente. Se lhe dessem uma chance, estava certo de poder em breve acompanhar a turma. Não se importaria de ficar mais anos no colégio, se preciso fosse, queria, porém, aprender muito para ser alguém na vida e poder também trabalhar para o Senhor.

Era um caso totalmente novo. Um dos requisitos para ser admitido na Escola era, pelo menos, saber ler e escrever o mínimo necessário.

Tudo isto foi dito ao moço, mas nada o consolava. Disseram-lhe que voltasse para casa e aprendes-se a ler e a escrever durante aquele ano e voltasse no ano seguinte. Na sua região, não havia escola, disse ele à missionária, com súplicas e lágrimas nos olhos.

Não era fácil tomar uma resolução. Se fosse aberta essa exceção, apareceriam muitos mais alunos sem saber ler. Como poderiam alfabetizar a todos? Por outro lado, ali estava, quem sabe, um rapaz promissor que só precisava de uma oportunidade.

Mamãe Harder disse ao moço que fosse para o quarto e a procurasse mais tarde. Como era seu costume, quando tudo parecia sem solução , a missionária foi buscar conselho e orientação com o Pai celestial. Convidou Mathilde e algumas moças para acompanharem-na nesses momentos de oração. Elas estiveram orando por algum tempo. Depois que terminaram, Mamãe Harder foi conversar com o professor. Juntos acharam que poderiam deixar o rapaz ficar na Escola. Alguns colegas poderiam revezar-se no auxílio a ele. Não seria nada fácil, mas provavelmente, com a ajuda de Deus, eles haveriam de conseguir. Vale lembrar que o moço já não era nenhum juvenil. Há muito, tinha passado dos 18!

Assim começou a luta do jovem que não sabia ler nem escrever... Arranjaram-lhe uma cartilha, ou melhor, uma "Carta do abc" , como se dizia na época e começou a maratona. Os colegas todos queriam ajudar e ajudavam... Acontece que ninguém dispunha de muito tempo e o rapaz não tinha tanta facilidade assim para aprender. Sentindo que seu entendimento era pouco, aquele estudante começou a orar e a jejuar para que o Senhor viesse em seu socorro.

Num final de semana, ele foi convidado para almoçar, no sábado, com os Harder, na mesa que a família ocupava no refeitório. Nosso moço, um tanto sem jeito, disse à sra. Harder que não iria almoçar aquele dia. Imaginando que ele estivesse envergonhado de partilhar da mesa do diretor, ela começou a insistir com ele para que aceitasse o convite. Foi então que ele contou-lhe que naquele sábado estaria jejuando. A missionária lhe fez algumas perguntas e quando soube que o rapaz estaria jejuando para que o Senhor o ajudasse a aprender, ela disse-lhe que também iria jejuar e orar a Deus por ele com muito fervor.

Assim aconteceu. Naquele dia, mamãe Harder e o aluno que não sabia ler jejuaram e oraram juntos. Preces ardentes subiram aos céus suplicando a Deus por sabedoria.

A luta ainda continuou por algum tempo. Os esforços eram grandes. Sempre que alguém podia dispor de algum tempo, punha-se a estudar com o aluno. E quando ninguém estava disponível, mamãe Harder procurava estudar com ele. Era muito interessante ver aquela senhora que falava um português cheio de sotaque, soletrando as palavras com o aluno, ou fazendo-lhe pequenos ditados. Por vezes, a "professora" ditava alguma palavra, mas por causa de seu sotaque americano, saía algo meio estranho e o aluno não entendia. Era chamado, então, quem estivesse mais perto para dar socorro à professora e ao aluno. Nenhum dos dois, porém, desanimava.

Pouco a pouco, os esforços foram dando resultados. Pelo meio do ano, o jovem já estava lendo e escrevendo o suficiente para acompanhar as aulas do professor Roth. Sabe-se que a sra. Harder orava continuamente pelo moço. Deus ouviu as preces e aquele aluno tornou-se um vencedor.

Casos como este aconteciam de vez em quando. Os alunos vinha de lugares distantes e diferentes. Os interesses também eram diversos. Assim, os professores precisavam usar muita criatividade para atender a todos. Os resultados apreciam sempre.

O ensino da Bíblia, parte mais importante do currículo, era do agrado de todos. Quando o pastor Harder estava na Escola, ele se incumbia desta parte. Nessa aula não havia problemas. Todos eram interessados em aprender cada vez mais e liam a Bíblia com interesse e carinho. Nas aulas "de cantar" o entusiasmo era contagiante. Mesmo que não formassem um coral totalmente afinado, todos cantavam com animação.. Agora, na hora da matemática... a coisa mudava! Soma, subtração, raiz quadrada e companhia não eram do agrado de todos.

" Tudo é necessário à vida e precisa ser estudado" - dizia o prof. Roth, com seu acentuado sotaque alemão. E repetia: "Tudo é necessário e vocês estão aqui para aprender tudo o que puderem. Não sabemos o que os espera depois que saírem daqui. Então, vamos estudar!"

A alegria voltava, cada um se aplicava o mais que podia e a ciência dos números ia-se tornando mais fácil para todos. Sempre que possível, os alunos recebiam lições práticas de vida. O casal Harder se preocupava com a formação integral do educando e fazia o seu melhor para alcançar este objetivo. Não raro, papai Harder reunia os rapazes e mamãe Harder reunia as moças para lhes falar de fatos da vida, como faziam com os próprios filhos. Quando se formavam, moços e moças estavam preparados para enfrentar o mundo com todas as suas complexidades.


6. O sapatos "novos" do professor

Cristianismo, disposição para trabalhar e dedicação aos estudos eram os requisitos essenciais para que um aluno fosse recebido no internato. Bens materiais não eram essenciais. e nem poderiam ser, uma vez que a maioria dos alunos não os tinha.

Em 1931, como o número de alunos houvesse aumentado, foi necessário chamar um novo professor. Eram dois agora. O professor, porém, também era pobre. Quase tanto quanto os alunos. Viera para a Escola porque era um idealista. Os Harder não tinham como pagar altos salários. Aliás, os salários eram pequenos e, vez por outra, até atrasavam. Não havias queixas, contudo. Os que trabalhavam no Colégio Cruzeiro do Sul estavam cientes das dificuldades que teriam de enfrentar. Pois o novo professor, lá pelas tantas, percebeu que o seu melhor par de sapatos (quem sabe, o único) estava perdendo a cor. Engraxá-lo já não estava sendo suficiente para lhe dar uma melhor aparência. Preocupado, ficava ele a imaginar em como poderia fazer para que seus sapatos durassem um pouco mais, até que fosse possível comprar um outro par.

Por mais que pensasse, porém, as idéias não lhe vinham. O solado estava bom, os sapatos eram confortáveis, mas a aparência do couro não estava lá essas coisas.

Certo dia, o professor chegou à lavanderia bem na hora em que mamãe Harder e Mathilde Kohler estavam tingindo algumas roupas velhas para lhes dar uma aparência melhor. Curioso, ele ficou algum tempo observando. Viu como tecidos descorados e desgastados saíam do tacho de água fervente com aspecto de panos novos, com cores renovadas e bonitas.

O professor continuou a observar e enquanto olhava os tecidos que saíam do tacho renovados, começou a olhar para os seus sapatos. Uma idéia, pouco a pouco, foi tomando conta de seus pensamentos. Por que não? Se aquela tinta "milagrosa" da sra. Harder podia renovar tecidos, certamente poderia fazer o mesmo com o couro. Pensou em pedir orientações à missionária ou à auxiliar. Ficou envergonhado, porém. Não queria que elas pensassem que ele era ignorante com relação às coisas práticas da vida. Pensou e não hesitou. Correu ao quarto, tirou os sapatos, calçou um chinelo e envolveu os sapatos num pano.

Voltou e, um tanto encabulado, foi ficando por ali. As duas mulheres terminaram o serviço. Mamãe Harder ainda perguntou ao professor se ele estava precisando de alguma coisa, mas ele desconversou. O par de sapatos, firmemente embaixo do braço.

Quando as duas deixaram a lavanderia, o tacho ficou sobre o fogo, no chão. Como ainda havia brasas, a água continuava a ferver. Ele olhou para toda aquela água pretinha, pretinha... Olhou para um lado e para outro. Não havia ninguém. Corajosamente, tomou os sapatos e jogou-os dentro do tacho assim como vira mamãe Harder fazer. Esperou algum tempo, preocupado em que aparecesse alguém, mas tal não ocorreu. Quando imaginou que seus sapatos já haviam fervido o tempo suficiente, o professor retirou-os do tacho. Gostou do que viu. Aparentemente, haviam tomado uma cor bastante razoável. Rapidamente, levou-os para o quarto. Agora era esperar que secassem e teria um par de sapatos bem apresentáveis outra vez.

Deixou os calçados num cantinho e foi cuidar de seus afazeres. Quando procurou pelo par de sapatos, à tarde... que surpresa! Sequer se assemelhavam àquilo que havia colocado na água fervente para tingir. Na verdade, a aparência deles era a de dois sapos enrugados, nem pretos, nem marrons, nem de cor nenhuma. O pobre do professor não sabia que o couro não podia ser "cozinhado" em água fervendo!

O mestre ficou bem quietinho, matutando sobre como conseguir comprar um par de sapatos novos. Agora não tinha mais como escapar deste fato. Felizmente, pensou ele, ninguém havia presenciado a sua epopéia. Pelo menos estaria livre de brincadeiras por parte dos alunos.

Preparou-se e tranqüïlamente dirigiu-se para a sala de jantar. De chinelos, é claro. Não chamou atenção já que o uso de chinelos ou tamancos era muito comum. Tudo transcorreu normalmente. Os alunos mantiveram a conversa costumeira. Terminado o jantar, como sempre, passou-se ao culto vespertino. Este era um momento especialmente apreciado pelos alunos. Normalmente, a sra. Harder ou Mathilde contava uma história . Por vezes, era dada a oportunidade a algum aluno. Assim , naquela noite, um aluno pediu para contar uma história. Fez uma ressalva, porém. Gostaria de contá-la depois que terminassem o culto. E assim aconteceu. Após a oração final, o aluno foi para a frente, fez uma expressão de amargura e disse que iria contar uma história não muito alegre, cujo título era " Triste fim dos sapatos de um professor". Então contou toda a história. Ilustrou-a mostrando o par de sapatos. Houve muita alegria. Embora todos amassem e respeitassem o professor, o fato era realmente muito engraçado.

Terminada a narrativa, o professor procurou o aluno. Estava curioso para saber como o moço sabia tanto da história. Afinal, ninguém vira quando os sapatos haviam sido colocados no tacho de água fervente. Bem, o aluno estava empilhando lenha ali por perto e ficou curioso por saber o que estaria o mestre fazendo na lavanderia. Presenciou todo o acontecido. Depois foi fácil. Seguiu o professor, viu onde estavam secando os sapatos. Depois que o dono saíra para o jantar, ele entrara no seu quarto ( as portas não eram trancadas) e pegara os ditos cujos. Pode-se imaginar o resto. Todo queriam ver os sapatos "novos" do professor.

A coisa só terminou quando mamãe Harder disse ao jovem professor que não se preocupasse. De uma maneira ou de outra, ele teria sapatos novos para suas atividades sabáticas.

Durante muito tempo, o professor tinha de responder perguntas a respeito de seus sapatos tingidos e quase sempre o ouvinte não conseguia conter o riso. A "triste história do sapato novo do professor" passou a fazer parte das histórias famosas do Colégio Cruzeiro do Sul nos seus primeiros anos de funcionamento.



Capítulo 6



Adeus, Colégio Cruzeiro do Sul



1929 a 1939! 10 anos dedicados a um sonho! Um sonho que parecia de impossível realização, mas que sob as ordens diretas de Deus , um dia, veio à luz!

Entre muitas lutas e incontáveis bênçãos, muitos anos se passaram. Papai Harder teve a alegria de ver muitos de "seus filhos" irem a São Paulo, receberem mais instrução e retornarem para desempenhar o seu papel no trabalho para o Senhor, ou em setores diversos da sociedade. Viu-os constituir famílias bem estruturadas. Uma ou outra ovelha saiu do caminho e o missionário se entristecia ao pensar nisto. Dizia, porém que não poderia ser ingrato para com Deus. A safra dos que seguiram caminhos retos era muito maior. Este pensamento logo lhe devolvia a alegria.

Já em 1935, a Associação Sul-Riograndense se interessara pela Instituição, até então propriedade particular dos Harder. Nesse ano, os missionários já haviam tido o auxílio da mesma na administração do Colégio. Muitos professores se haviam unido à família colegial. O número de alunos era bem mais expressivo do que aquele dos primeiros tempos. Estava na hora de se pensar em oferecer aos estudantes um currículo de estudos mais formal, mais estruturado dentro das leis federais de ensino, mesmo porque as autoridades educacionais estavam fazendo algumas exigências.

O sistema educacional brasileiro sofrera sérias mudanças durante os anos que se haviam passado. Os cursos , no Colégio de São Paulo, para aonde se dirigia a maioria dos alunos da Escola do sul também estavam diferentes, com maiores exigências quanto ao preparo inicial. Urgia então que fossem feitos planos para que a Instituição se enquadrasse nessas novas veredas. Foi então que o casal missionário, depois de muita oração, concluiu que era chegada a hora de outra vez, tomar novos rumos. A Escola dos sonhos estava em pleno e satisfatório andamento. Braços mais jovens poderiam levar o trabalho avante. Certamente, o Senhor, em Sua sabedoria já teria providenciado alguém que amasse os jovens, que amasse a educação adventista e que estivesse disposto a empunhar o cajado que o pioneiro estava prestes a deixar.

Assim, com nostalgia, é verdade, mas com a certeza do dever cumprido, o casal resolveu entregar o Colégio para a Organização Adventista. O pastor Harder já não era tão jovem. Os anos de imensa labuta haviam-no enfraquecido. Mamãe Harder, com a saúde abalada, já não tinha as forças necessárias para continuar o trabalho. Os filhos mais velhos que sempre os haviam ajudado em tudo, estavam na idade de ir para São Paulo a fim de continuar os estudos.

A família reuniu-se mais uma vez. Com gratidão, louvaram ao Senhor pela bênção do sonho realizado. Depois, pais e filhos se puseram a ponderar sobre a possibilidade de doarem à Associação o terreno e os prédios da Escola. E assim foi. Sabiam que a Associação não se interessaria pelo gado e pela fábrica de laticínios. aquela que servira de apoio para que tantos conseguissem pagar suas despesas escolares! Era necessário desfazer-se dela. Com certeza, seriam providenciados outros meios para que jovens que não dispusessem de recursos financeiros pudessem continuar a vir para a Escola do vale. Esta certeza acalmou o coração do pastor Harder.

Com este pensamento, iniciou-se o ano de 1937. O corpo docente fora acrescido de alguns novos professores. Entre eles, um jovem advogado com formação educacional: Octávio Espírito Santo. Sua esposa, Micol Gueiros Santo era professora de várias disciplinas. Estes dois professores, o prof. Herbert Hoffmann, sua esposa Elza e o pastor Harder formaram o corpo docente desse ano. Logo após a sua chegada, o Dr. Octávio já começou a preparar a documentação para a oficialização da Escola.

Durante o ano de 1937, houve os últimos entendimentos para que o Colégio Cruzeiro do Sul passasse a pertencer à Associação Sul-Rio-grandense. Alguns membros da Igreja e até alguns líderes não achavam boa a idéia de oficializar-se a Escola, achando que tal fato era uma forma de desrespeito às normas da igreja, porque os estudos da Escola oficializada teriam de estar de acordo com as normas do governo. Foi necessário explicar muitas e muitas vezes que se a oficialização não ocorresse, os alunos poderiam perder todos os anos de estudo e, a qualquer momento, a Escola poderia ser fechada. Eram novos tempos e o sistema educacional da igreja tinha de adaptar-se a eles. Tal já acontecera com o Colégio de São Paulo.

1938! Então aconteceu! Papai Harder vendeu os apetrechos da pequena fábrica, vendeu o gado para pagar algumas dívidas e entregou a sua Escola à administração da Igreja Adventista no Rio Grande do Sul. A Escola particular, mas que sempre fora adventista do sétimo dia, passava, agora a pertencer oficialmente à Organização. O Dr. Octávio Espírito Santo torna-se diretor do Colégio Cruzeiro do Sul. Durante o ano em questão, o casal Harder continua na Escola. O pioneiro é o braço direito do novo diretor e fica encarregado dos internatos e da alimentação dos alunos. A esta altura, os filhos mais velhos, Leon e Palmer, já estavam em São Paulo continuando os estudos.

Em janeiro de 1939, a família Harder aluga uma casa em Taquara e ali reside por um ano. A pequena cidade também mudara muito nesses dez anos. Havia muito mais movimento do que quando os meninos Harder e os alunos vinham entregar mercadoria de porta em porta. Alguns automóveis, poucos realmente, já percorriam as ruas taquarenses, grande parte ainda sem calçamento. Tudo isto trazia saudosas memórias ao casal. Durante esse tempo em que moraram na cidade, os missionários colocaram em ordem alguns negócios pendentes e se prepararam para retornar aos Estados Unidos. Durante o ano, porém, vem-lhes o convite para trabalhar em Serra Pelada, no estado do Espírito Santo.

O casal de pioneiros tinha dedicado preciosos anos de sua vida ao rincão gaúcho que tanto amaram. Seus cabelos se fizeram brancos... Seus corpos se desgastaram, mas eles nunca se arrependeram. Agora, o sonho estava completo. O primeiro desejo do pioneiro estava plenamente realizado. A Escola que ele fundara pertencia à igreja que ele amava. Nunca fora seu propósito ter uma escola particular. Muitas vezes, papai Harder com sua voz grossa, ainda carregada de sotaque, dizia: " O Senhor conhecia o fim desde o princípio. Quão abençoados fomos!"

Finalmente, a partida! Com que emoção o casal deve ter olhado pela última vez a "sua Escola"! Os jardins, as árvores, os prédios... Aquele primeiro, construído pelo querido prof. Roth... Quantas lembranças devem ter-lhes vindo à mente ao caminharem próximo ao Rio dos Sinos ou ao rio Santa Maria....Cada árvore, cada montículo de terra, cada flor lhes era já uma agridoce nostalgia.

O coração de papai Harder deve- se ter acelerado, as lágrimas lhe devem ter corrido pelas faces, ao olhar pela vez derradeira, aquele recanto, entre eucaliptos e palmeiras, onde o anjo do Senhor lhe aparecera para lhe fazer a promessa de que o alimento não faltaria!

Um último olhar, uma precoce saudade e lá se vão o pioneiro e sua dedicada esposa...Voltariam algum para rever a amada Escola dos sonhos? Não sabiam no momento. Deus cuidaria do futuro como cuidara do passado.

Adeus, papai Harder! Adeus, mamãe Harder!

Adeus Colégio Cruzeiro do Sul! Adeus!



III Parte



Depois da era Harder



Capítulo 1



Outros tempos... Outros caminhos



Em 1939, o Colégio Cruzeiro do Sul foi oficializado. Passou a ter um sistema de ensino dentro das normas governamentais, com um currículo de estudos supervisionados pelas autoridades educacionais. Foi mais uma vitória. Ginásio Adventista de Taquara - GAT foi o nome com o qual a Escola passou a ser conhecida. Os alunos, agora, após terminarem seus primeiros estudos, ou mesmo que não o fizessem, poderiam transferir-se para outra escola pública ou particular sem nenhum problema. Outros prédios foram construídos, destacando-se especialmente o prédio escolar, de bonitas linhas arquitetônicas e que passou a ser uma espécie de cartão postal do Colégio.

Eram anos diferentes com necessidades diferentes. Novos dormitórios foram construídos. A Escola progredia e progredia... O bom nome da Instituição foi-se espalhando pela região e esta passou a ser procurado por muitos e muitos alunos de outras crenças religiosas. Eram alunos externos e internos. Muitos encontraram aqui, não somente os conhecimentos que buscavam, mas também um novo ideal de vida um caminho diferente que os levaria a outras conquistas.

Cada novo diretor procurava fazer o melhor em favor da Instituição e assim esta foi-se modificando e atualizando cada vez mais. Todos eles deixaram, indelével, sua marca em setores diferentes do Colégio. Seus nomes são parte inconfundível da história desta Casa.

Com a implantação do Curso de Contabilidade no final da década de 50, foi necessário mudar-se o nome da Escola. Esta passou a chamar-se então Instituto Cruzeiro do Sul - ICS. Por algum tempo, este nome foi mantido. Em 1962, porém, o nome foi mudado para Instituto Adventista Cruzeiro do Sul - IACS. Sob esta denominação, o perfil do Colégio tem atravessado fronteiras e mares no trabalho e na lembrança de seus ex-alunos que se espalham pelo território nacional e por várias partes do mundo.

Com o passar dos tempos, novos cursos foram sendo acrescentados e o número de alunos foi aumentado cada vez mais. Não levou muito tempo para que se começasse a receber rapazes e moças de outros estados do Brasil e até mesmo do exterior. Todos recebidos com carinho e amor. No Vale, havia um lar que a todos acolhia prazerosamente.

Novos tempos... novos caminhos! Em 1963, pela primeira vez, um ex-aluno do Colégio Cruzeiro do Sul assume o posto de diretor geral do IACS! Quanta alegria dever ter ele sentido! No início da década de 40, ele havia estado entre os alunos da primeira turma a se formar no Ginásio Adventista de Taquara. Agora, vinha dirigir a Casa onde havia recebido as primeiras orientações para bem percorrer os caminhos da vida. Com que emoção deve olhado para estas plagas! Quanta saudade deve ter sentido!

Depois dele, muitos outros ex-alunos têm dirigido os destinos desta Escola , como diretores, tesoureiros, professores, enfim servindo ao antigo lar em suas mais diversas necessidades.

À medida que o tempo passava, as necessidades iam-se ampliando e novos cursos foram sendo implantados: Curso Normal, Curso Científico. Estes, no final da década de 60. Mais tarde, após a Reforma do Ensino, estes cursos mudaram de nome e, no início da década de 80, foi implantado o curso de Técnico em Enfermagem.

Novos tempos... Novos caminhos... A música sempre fora parte importante na história do Instituto Adventista Cruzeiro do Sul. Conforme já vimos, o casal Harder gostava de cantar. Ela tocava piano e sempre atuou como pianista nas igrejas em que trabalhou. Assim, o canto e a aprendizagem de algum instrumento eram incentivo contínuo aos alunos. Desde os primeiros anos, quando a situação financeira o permitiu, havia um professor para ensinar música. Em 1937, havia até uma pequena orquestra que muito sucesso fez por onde andou.

Foi, pois, com muita alegria que em 1974, foi implantado no IACS, o Conservatório Adventista Musical de Taquara – Camta. Começou pequenino, com poucas opções artísticas e três professores. Pequeno, mas cheio de esperança. Progrediu...e aí está alegrando a todos com suas realizações.

A família colegial crescia. Muitos professores passaram a fazer parte do Corpo Docente. Foi necessário, então, que se construíssem casas para eles. Várias residências confortáveis foram incorporadas à paisagem iacsense, juntando-se às primeiras duas já existentes. Algumas velhas casas remanescentes dos primeiros tempos passaram a ser usadas para outros fins (depósitos, oficinas, etc.) e pouco a pouco foram sendo destruídas para dar lugar a novas construções Nestas últimas décadas de sua história, vez por outra, a Escola tem enfrentado algumas crises, sobre-tudo financeiras. Algumas maiores, outras menores. As duas mais difíceis ocorreram no início da década de 60 e no início da década de 80. Foram tempos atribulados. Dias cinzentos e tumultuados.

Com muita oração, administração, professores e funcionários deram o seu melhor para que Colégio continuasse a cumprir os objetivos pelos quais fora criado. As crises passaram. Aquelas e outras menores que, às vezes, teimaram em aparecer. A Escola continuou tranqüila educando os jovens que lhe eram confiados.

Em 1978, ao completar o jubileu de ouro, o IACS era uma escola nacionalmente reconhecida por seu sistema de ensino e por seus altos ideais nos rumos da educação. Sua história serve de enlevo e de inspiração para todos os que a ouvem. Fatos notáveis têm marcado a vida estudantil nas últimas décadas. Histórias de vida têm acontecido nestes arraiais. São histórias, por vezes, cheias de dificuldades, de aflições. São histórias, por vezes repletas de alegria e felicidade. Todas elas, porém, encontrando realização plena neste lar que um dia acolheu aqueles que a buscaram na procura de um objetivo para a sua vida.

Novos tempos... novos caminhos... novas histórias...



Capítulo 2



Uma Vida Transformada



Ele não era adventista. Sua mãe o havia sido, na juventude. Aliás, ela fizera parte dos primeiros que se converteram em sua região. Fora batizada nos primeiros batismos . Casou-se, porém, com um moço que não era da igreja e este com o correr dos tempos, fez com que ela deixasse os caminhos do Senhor. Assim, o nosso jovem cresceu ouvindo a mãe (sem que o pai soubesse) falar bem da igreja e ouvindo o pai dizer coisas horríveis a respeito da mesma igreja. Cresceu sem preocupações religiosas, seguindo os caminhos que o pai seguia. Aos 9 anos, ouviu, pela primeira vez, falar de Jesus de maneira mais incisiva. Foi num terno de reis em sua casa. Perguntou então à mãe:

"Mãe, esse Jesus de quem os homens do terno de reis cantaram, realmente existiu?"

"Sim, meu filho. Existiu e ainda existe. Ele morreu por nós e agora está no céu, mas um dia voltará outra vez."

Diante da resposta positiva e eloqüente da mãe, o menino ficou pensativo. Foi perguntar a outras pessoas e a reposta que recebeu de todas o fez mais pensativo ainda. Ele não tinha entendido muito bem o que a mãe dissera naquele momento e ninguém mais soube explicar-lhe coisa alguma.

À medida em que ia se tornando mais velho, ia ouvindo mais coisas sobre esta ou aquela religião e sua mente ia ficando um tanto confusa com os fatos. Vale dizer que uma boa parte dos parentes continuava fiel à mensagem que um dia havia recebido. Quando o rapaz estava com 16 anos, ouviu um primo falar ao pai a respeito da volta de Jesus. O que ouviu, calou fundo em seu coração. Aquelas palavras que ouvira da mãe um dia, vieram-lhe à mente e, agora, ele pôde entender melhor o que fora dito por ela.

Foi então procurar um Novo Testamento que havia em casa e pôs-se a ler com atenção. Guardava em seu coração o que ia lendo. Algumas leituras causavam-lhe, por vezes, muita angústia. Aos 18 anos, teve em suas mãos, pela primeira vez, uma Bíblia completa, que seu cunhado lhe havia emprestado. Ao lê-la, encontrou ali fatos sobre os quais nunca tinha ouvido falar. Ficou com a convicção de que era um grande pecador. Quanto mais lia, tanto mais se convencia de que Deus era um ser terrível pronto a castigá-lo. Imaginava que seus peca dos eram tão terríveis que já não havia nenhuma esperança para ele. Seu desespero era muito intenso e ele não se atrevia a pedir que alguém lhe explicasse a Sagrada Escritura. Tinha medo do pai, é certo, mas a preocupação maior era com relação à mãe. Temia que o pai, percebendo o interesse do filho pelas verdades sagradas, viesse a maltratá-la, imaginando que ela o estivesse influenciando.

Um dia, um primo o convidou a ir a uma reunião da igreja adventista.. Como era um feriado que caíra no sábado, o pai não fez caso de que ele fosse. Após assistir à Escola Sabatina e ao sermão, percebeu que muitas das sua dúvidas tinham sido desfeitas e seu medo de Deus se havia acabado. Tinha a impressão de que Deus pusera, nas palavras do pregador , tudo aquilo que ele estava ansioso por ouvir. Voltou para casa com o coração aliviado e com o firme propósito de obedecer aos mandamentos de Deus.

Quando resolveu guardar o sábado, o pai se enfureceu. Fez-lhe uma porção de ameaças. O jovem, porém, ficou firme em suas convicções. Mas a situação em casa ficava cada vez mais difícil. Um tio, penalizado, levou-o para morar em sua casa por algum tempo. Ao voltar para o lar, nosso moço encontrou o pai ainda mais irado contra os adventistas. Quando o filho disse ao pai que agora guardava fielmente o sábado, este o expulsou de casa. Com apenas 18 anos, expulso de casa! Algum tempo antes, um tio lhe falara de uma Escola em Taquara, onde alunos podiam estudar e pagar suas despesas com trabalho. Disse-lhe que o diretor era um senhor estrangeiro muito bom que recebia com amor todos os alunos. Nosso moço não teve dúvidas. Arrumou suas poucas coisa e fez todos os preparativos para deixar o lar paterno, quem sabe, para sempre.

1938. Dia 3 de agosto. A família levantou-se de madrugada conforme o costume. O moço tinha suas coisas arrumadas numa pequena trouxa. Antes de sair, convidou a mãe os irmãos para que fizessem uma oração. Convidou o pai também, mas este nem lhe deu resposta. O moço orou com fervor, pedindo que o Senhor cuidasse dos pais e dos irmãos e entregou Lhe o seu futuro. Ainda estava escuro quando o moço se pôs a caminho. A pé, descalço, com a pequena trouxa às costas, ele caminhou o dia todo, para vencer os 25 quilômetros que o separavam de seu novo lar. Seria aceito? Não tinha feito nenhum contato. Sabia, porém que o dono da Escola era um homem de Deus que por certo o receberia. Que tristeza, porém, quando já próximo de seu destino alguém lhe disse que a Escola tinha agora um novo diretor. Aquele a quem ele pensava encontrar havia passado a direção para outra pessoa.

Com apreensão o rapaz se apresentou ao novo diretor. Enquanto contava sua história, em seu coração, orava para que Deus o ajudasse. Se não pudesse ficar ali, para onde iria? Se a oportunidade lhe fosse dada, ele trabalharia com dedicação e estudaria muito para compensar o tempo perdido. Seu sonho? Preparar-se para trabalhar na obra do Senhor. Foi aceito, sem dinheiro e sem mais nada. Na sua mochila, umas poucas peças de roupa e um sapato usado que ele havia comprado do cunhado. No coração, porém, muita confiança em Deus e muita vontade de vencer. E a Escola do Vale o acolheu como havia acolhido a tantos antes dele.

Foi alojado num velho casarão perto de um estábulo, local onde exerceria suas atividades. Era frio e malcheiroso, mas para ele, era como se fosse um pedaço do céu. Alguns dias depois, foi à cidade e com o único dinheiro que tinha, comprou um acolchoado, pois as noites do agosto gaúcho eram geladas. Assim mesmo, ele quase não conseguia dormir à noite. Com o pouco dinheiro de que dispunha comprara uma coberta um tanto fina e esta não era suficiente para aquecê-lo. Numa gélida manhã, ao dirigir-se para o trabalho, o rapaz, viu, a um canto, um colchão velho. Perguntou então ao preceptor se poderia levá-lo para o seu quartinho. O preceptor consentiu. Que maravilha! Agora não haveria mais frio. Naquela noite, ao deitar-se, nosso moço colocou o velho colchão sobre sua fina coberta. Que diferença! Num instante estava aquecido. Durante o restante daquele, inverno, o velho colchão lhe serviu de cobertor e ele não mais sentiu frio, podendo descansar tranqüilamente à noite.

A certa altura, o rapaz contraiu uma forte gripe que o deixou muito doente. Sem dinheiro para comprar remédios, muito tímido para contar a alguém as suas dificuldades, o rapaz passou algum tempo de muita tribulação. A gripe foi-se agravando, ele tossia muito, quase não conseguia dormir e foi ficando muito fraco. Uma professora, ao saber de seu caso, pôs-se a cuidar dele. Preparou-lhe um remédio à base de mel e cuidou para que ele se alimentasse todos os dias. Muitas vezes, ela preparou em sua casa, algum alimento especial para ele. Foi um tempo muito difícil. O rapaz chegou a pensar que seus dias estavam contados. Com os cuidados maternais da bondosa professora, porém, ele se refez e pôde continuar os seus estudo e os seus trabalhos.

Nem tudo foi um mar de rosas. Enfrentou muitas dificuldades e até doença. Mas a Escola do Vale transformou a sua vida. Muito tempo depois, ele, já pastor, teve o privilégio de rebatizar a sua mãe e, 53 anos depois daquele nevoento dia em que foi expulso de casa, ele batizou também o pai! Em seu profícuo trabalho, este pastor ganhou muitas e muitas almas para o reino de Deus.

É por isso que ele ama muita esta Casa, e louva ao Senhor pela Escola que um homem de Deus, um dia, plantou neste vale!



Capítulo 3



As janelas de ferro do refeitório



Era uma vez um moço que morava na zona rural de uma grande cidade gaúcha. A família não era pobre, uma vez que possuía grande extensão de terra onde plantavam arroz e criavam animais. O pai, porém, como precisasse que os filhos o ajudassem na lavoura, só lhes permitiu freqüentar a escola por um mínimo de tempo. Falecido o pai, verificou-se que seus negócios estavam totalmente em desordem. Havia vendas e compras das quais não existiam documentos e outras confusões mais.

A família, agora, não tinha nem experiência e nem meios de contratar um advogado para tentar resolver a questão. O filho mais velho tinha de ir para o quartel. Assim, a mãe resolveu deixar um sobrinho morando na casa da fazenda e mudar-se para a cidade onde haveria mais possibilidades de os filhos e ela mesmo conseguirem trabalho.

Depois de algum tempo, um senhor visitou a família a fim de lhes falar da mensagem adventista. Convidou a mãe e os filhos para assistirem a umas conferências que estavam sendo realizadas na cidade. Apenas um dos filhos aceitou o convite. Foi e gostou. Voltou outras vezes. Não era muito fácil fazer isto. Trabalhava 12 horas por dia num engenho de arroz, carregando sacos para os caminhões ou fazendo o descarregamento de outros produtos. À tardinha, estava realmente muito cansado. Mas não perdia nenhuma reunião. Recebeu orientação religiosa daquele mesmo senhor que lhe fizera o convite logo depois foi batizado. Gradualmente, toda a família se converteu, inclusive uma irmã casada e seu esposo.

A vida ainda era difícil. O moço, o irmão mais velho e o irmão mais moço trabalhavam duro para manter a casa: eles mesmos, a mãe e duas irmãs menores. Agora, contudo, havia mais alegria na família. O descanso sabático era uma bênção pela qual eram gratos a Deus. Não tinha sido muito fácil conseguir ter o sábado livre. Eles, porém, bons trabalhadores, tinham conseguido a simpatia dos patrões, mesmo porque enfrentavam qualquer serviço e estavam sempre prontos a colaborar. Certa vez, houve uma espécie de greve no engenho em que nosso jovem trabalhava. Ele compareceu fielmente ao trabalho. O patrão mandou um carro buscá-lo em casa para que pudesse vir atender a seus compromissos. A vida era difícil, sim mas cheia de esperança.

Certo dia, aquele senhor que levara à família o convite para as conferências, pediu ao nosso moço que fosse a sua casa, pois queria ter uma conversa muito importante com ele. Assim que houve uma oportunidade, o rapaz foi. Depois dos cumprimentos e de alguma conversação, aquele velho amigo lhe disse:

"Rapaz, você é um bom moço. Aprecio bastante o seu esforço para dar bem-estar a sua mãe e às irmãs. Aprecio também a maneira como você vive os princípios da nossa igreja. Por isso, quero lhe dar um presente. Aguarde que vou buscá-lo".

Presente? Que coisa maravilhosa! Há muito tempo que ele não recebia nenhum presente. O que seria? Uma camisa? (Bem que ele estava precisando de uma) Um livro, quem sabe. O rapaz gostava muito de livros. Enfim, um presente sempre é bem-vindo. Não importa o que seja.

Qual não foi a sua decepção quando o senhor retornou à sala apenas com um papel na mão. Nem sequer era um papel de enrolar presentes. Então aquele amigo lhe disse:

"Não tenho dinheiro para lhe dar, e nem condições para comprar-lhe um bom presente. Mas o que tenho aqui, mudará a sua vida para sempre. Fará de você uma pessoa mais apta a enfrentar o mundo com todos os seus desafios. Aqui está a sua vaga para estudar no Ginásio Adventista de Taquara. Escrevi ao diretor, contei-lhe sua história e ele mandou-me este papel onde está escrito que seu lugar no Ginásio está reservado."

Antes que o moço, estupefato, pudesse falar qualquer coisa, o velho senhor continuou:

"Bem sei que você não tem como pagar as despesas escolares. Não há nenhum problema. Você está sendo recebido como aluno-industriário. Vai trabalhar no próprio colégio para custear os seus estudos.

Não deixe passar a oportunidade. Muitos jovens, todos os anos, desejam ir estudar no Ginásio de Taquara como aluno-trabalhador e não conseguem vaga."

Aquele moço voltou para casa pensativo. Estudar era o que de melhor poderia acontecer-lhe. Mas como iria deixar a responsabilidade de manter a casa sobre os dois irmãos? No meio do caminho, parou para orar. Pediu ao Senhor que o orientasse e que se fosse realmente para ir ao Colégio, que as outras portas se abrissem para ele.

Chegando a casa, contou à família o que estava acontecendo. Todos foram unânimes em dizer-lhe que ele deveria aceitar a oportunidade que Deus estava lhe dando. A mãe disse que não se preocupasse. Dariam um jeito de se arrumar. Oraram juntos e confiantes em Deus, todos começaram a fazer os preparativos necessários. Algum tecido foi comprado. A mãe confeccionou-lhe algumas peças de roupa, compraram alguma roupa de cama e eis que o rapaz estava pronto para vir ao Colégio.

A viagem durou o dia todo, num trem fumacento e numa vagão de segunda classe. Chegou ao Ginásio já bem à tardinha. Logo na chegada, informaram-lhe que aquele diretor que havia mandado a sua confirmação de vaga, tinha sido substituído por outro. Levado à presença do novo diretor, este encaminhou-o ao dormitório dizendo-lhe que no dia seguinte iria estudar o caso e resolver se ele poderia ficar ou não.

Foi uma noite de grande angústia. Um jovem muito tímido, num lugar estranho, sem saber se poderia ficar e sem nenhum dinheiro para retornar para casa... Orou como nunca aquela noite. Pediu a Deus que fizesse o que fosse melhor para ele. Ficar ou não estava nas mãos do Senhor. O moço estava pronto a aceitar o plano divino.

No dia seguinte, ao se apresentar ao diretor, este lhe disse que poderia ficar. Se o seu trabalho fosse satisfatório, continuaria até terminar o ginásio.

Nem tudo foi fácil. Mas tudo foi se ajeitando devagarinho. O rapaz foi trabalhar na oficina da Escola. Habilidoso e preocupado em aprender tudo o que pudesse, em pouco tempo já era responsável pelos setores de eletricidade e de consertos. Deus o abençoou grandemente. No final daquele primeiro ano, graças ao seu bom desempenho, a administração achou por bem estender a oportunidade também ao irmão mais moço.

Naquele ano, estava-se terminando a construção do novo dormitório feminino, do refeitório e da cozinha. Faltavam ainda as armações de ferro para as janelas do refeitório que seriam do tipo vitrô. Quando o responsável foi em busca de pessoas especializadas para a confecção das mesmas, prazo pedido pela empresa foi de 2 meses. O Colégio, porém, não podia esperar tanto tempo. Foi em busca de outra firmas mas ninguém poderia fazer o trabalho em tempo hábil. O mundo acabava de sair de uma guerra e nem sempre era possível conseguir-se material ou mão- de- obra especializada para determinados tipos de serviço. O que fazer? Deixar a inauguração para mais tarde?

Tal fato nem passou pela cabeça do presidente da Associação Sul-rio-grandense, entidade mantenedora do Ginásio Adventista. Então ele se lembrou daquele rapaz da nossa história. Este presidente, ex-diretor do Ginásio, fora quem providenciara a vaga de aluno-trabalhador para o jovem. Em visitas ao Colégio, sempre ouvira boas referências ao trabalho do moço. Apreciava-o e se fizera seu amigo.

Diretor e presidente foram em busca do aluno. Era ainda tempo de férias de verão. Que tal aceitar um desafio? Estariam , ele e o irmão, dispostos a fabricar as armações de ferro para as janelas do refeitório? Ambos eram habilidosos e com um bom treinamento numa firma especializada, certamente poderiam realizar o trabalho em tempo hábil, de acordo com as necessidades da Escola.

E assim foi feito. Os dois irmãos estagiaram alguns dias numa firma especializada especialmente em soldagem de ferro. Com muita oração para que Deus os ajudasse, voltando à escola, puseram-se a trabalhar. Com empenho e dedicação, conseguiram aprontar tudo em tempo recorde. O refeitório foi inaugurado na data prevista, com todas as janelas prontas e bonitas.

Estão lá até hoje.

A administração conhecendo a preocupação dos rapazes com a mãe e as irmãs, providenciou uma pequena casa, dentro do campus escolar e deu-a para os rapazes a fim de que trouxessem o resto da família para estar junto deles. Tudo agora se tornou mais fácil. A família estava reunida. Graças à disposição em bem fazer tudo que lhes viesse às mãos, nosso moço e seu irmão contribuíram para que as irmãs também pudessem estudar no Ginásio Adventista de Taquara. A família sempre foi grata à administração da Escola pela oportunidade que foi dada a todos.

Ao terminar o ginásio, o rapaz dirigiu-se ao Colégio de São Paulo para continuar seus estudos. Posteriormente retornou a seu estado, já formado, para continuar o seu trabalho para o Senhor. Foi pastor distrital e depois professor do IACS. Jamais deixou de louvar ao Senhor que um dia permitiu que a mensagem adventista chegasse até ele e que inspirou alguém a providenciar a sua vinda para uma escola de profetas.

A vinda para o Ginásio, realmente mudou a sua vida, tal como dissera aquele bom amigo que lhe dera, um dia, aquele maravilhoso presente!



Capítulo 4



Órfãs de pais vivos



Últimos anos da década de 40. A Segunda Guerra Mundial assolara o mundo por 6 anos. Embora as batalhas se houvessem travado em outro continente, seus efeitos danosos se faziam sentir por todo o nosso país. Houve dificuldades também para o Colégio Cruzeiro do Sul. Agora, Ginásio Adventista de Taquara. Com denodo e boa vontade, os problemas iam-se resolvendo. As aulas continuaram normalmente. Finda a guerra, as coisa foram-se ajeitando pouco a pouco. Certo dia, o diretor foi procurado por um senhor que ostentava em sua roupa as insígnias da gloriosa FEB ( Força Expedicionária Brasileira). Era um oficial brasileiro que estivera na Europa comandando um grupo de pracinhas do Brasil. Tal senhor estava bastante nervoso. Eram visíveis em seus gestos os traumas de guerra e suas palavras eram rápidas e pesadas.

O diretor atendeu gentilmente aquele senhor agitado. Depois de se acalmar um pouco, o soldado pôs-se a contar a sua história. Havia partido para a Europa logo que o Brasil declarara também guerra aos países do Eixo. Deixara, no Brasil, a esposa e duas filhas: uma com 12, outra com 10 anos.

Nos primeiros tempos, mandava notícias freqüentes à família e recebia, também, mensagens enviadas pela esposa e pelas filhas. Por força de batalhas, seu pelotão foi-se embrenhando Itália a dentro e mandar notícias tornou-se impossível. Foram dias e dias, pensando na família, desejando enviar ou receber notícias, sem que nada disto acontecesse. Passou fome, passou frio e foi ferido, já quase no final da guerra. Felizmente o ferimento não fora grave, mas ele precisou ficar hospitalizado durante algum tempo. Foi assim que ele não estava entre os primeiros pracinhas a serem repatriados. Imaginou que o Ministério da Guerra se encarregaria de avisar a família a respeito do acontecido.

Finalmente chegou o dia de seu retorno. Que alegria! Quanta ansiedade para reencontrar a esposa e as filhas. Como estariam? Certamente, as filhas já seria umas bonitas mocinhas. Chegando ao Rio de Janeiro, tomou a primeira condução que conseguiu. A pressa de chegar ao seu estado era muito grande.

Sequer sentia a dor do ferimento que ainda não estava totalmente curado. Em casa, estaria bem e o ferimento, automaticamente, desapareceria.

Que alegria quando a paisagem familiar começou a se apresentar a seus olhos! Mais um pouquinho e estaria junto com suas queridas filhas e esposa. Mais uns poucos passos e ei-lo à porta de sua casa. A emoção era tanta que, no momento, ele nem percebera que os conhecidos, com quem cruzara na rua, sem parar devido a sua pressa de chegar a casa, olhavam-no de maneira estranha. Como se estivessem surpresos ou com medo. Abriu ansiosamente o portão, chamando pela esposa e pelas filhas. Estavam demorando tanto... Por que não vinham correndo encontrá-lo?

De repente, a porta se abre e uma senhora estranha se põe-se a olhar, aparvalhada, para ele.

" Quem é a senhora? Onde estão minha esposa e minhas filhas?"

Como a mulher não respondesse e continuasse a olhar para ele como se estivesse vendo um fantasma, ele foi entrando, chamando pela esposa. Onde estaria ela? "Ela não mora mais aqui."

Isto lhe foi dito por um senhor que viera do interior da casa e que socorria a mulher que tremia como vara verde. Então a história lhe foi contada. A esposa lhes vendera a casa. Como ele não houvesse regressado nas primeiras turmas de pracinhas e como não tivesse recebido mais nenhuma notícia dele, sua esposa havia se casado com outro, vendido a casa e se mudado para um outro lugar. Não. Eles não sabiam para que lugar ela tinha partido.

Pobre soldado! Saiu sem rumo, meditando em tudo o que lhe acontecera. Nem pensou em procurar o Ministério da Guerra para saber que tipo de informações tinham dado a sua mulher a respeito de seu paradeiro e de seu regresso. Para ele, a esposa não passava de uma infiel que nem se importara com ele.

Pensamentos malignos lhe vieram à mente. Queria castigar a esposa. Não sentia nenhum rancor em relação ao seu atual marido. Ele não tinha nada a ver com o caso. Acreditou quando ela lhe disse que o marido tinha morrido na guerra. Começou a maquinar e resolveu que mataria a mulher traidora. Por fim, concluiu que a morte não era um castigo suficientemente grande para ela. Mas ele se vingaria. Ah, como se vingaria!

Pergunta aqui, pergunta ali; um fala pouco, um fala mais e ele foi traçando o caminho que o levaria à esposa. Sua vingança seria exemplar.

Quando se sentiu preparado, tomou consigo alguns militares seus amigos e dirigiu-se à casa da mulher. Não lhe disse uma só palavra. Tomou as duas filhas e retirou-se da residência. Chorava a mãe, choravam as filhas. A vizinhança ficou a olhar de longe. Quem se atreveria a intervir?

Aquele sofrido pai tomou as duas filhas e partiu com elas para o lugar mais distante que pôde encontrar. Chagando a Porto Alegre, soube da existência de uma Escola que recebia alunos no internato e que poderia dar às filhas uma educação completa. Elas poderiam ficar ali até que estivessem prontas para enfrentar o mundo sozinhas.

O diretor ouviu toda a história em silêncio. Chegou a pensar em convencê-lo a devolver as filhas para a mãe. As meninas não tinham culpa do acontecido e filhas sempre precisam da mãe. Nas primeira palavras do diretor, porém, o homem lhe disse:

" Por favor, não quero ouvir o que o senhor quer me dizer. Eu só vim conversar com o senhor porque me disseram que posso deixar minhas filhas aqui. Que esta escola é um bom lugar para elas. Caso não possa aceitá-las, irei procurar um outro lugar."

O diretor, penalizado, pensando na dor daquelas duas meninas, resolveu aceitá-las sabendo que, tanto quanto possível, a Escola do Vale seria mesmo o melhor lugar para elas.

Alguns dias depois, as meninas chegaram. Pareciam dois bichinhos assustados. Traziam como enxoval o que havia de melhor e as roupas pessoais eram finas e bonitas. Durante o tempo em que pai e filhas estiveram tratando dos assuntos legais de matrícula, ninguém ouviu o pai dizes qualquer palavra às meninas. O estipêndio foi pago para o ano todo. Dinheiro bastante foi deixado na tesouraria para as despesas imprevistas ou necessárias. Um endereço e um telefone foram deixados com a preceptora. E com tudo isto, uma solene advertência: as meninas não tinham autorização para enviar ou receber cartas, atender telefone, receber visitas e sair do colégio sem que o pai viesse buscá-las. Se precisassem sair, por alguma razão, alguém de responsabilidade deveria acompanhá-las. Havia dinheiro suficiente para pagar as horas de trabalho que alguém despendesse com suas filhas.

Terminadas as recomendações, o pai embarcou no carro que os havia trazido e que ficara a sua espera e se foi sem olhar para trás. As meninas, acabrunhadas não derramaram uma lágrima. Posteriormente, a mais velha confidenciou a alguém que elas já não tinham mais lágrimas para chorar. Assim começou uma vida nova para aquelas duas irmãs. Elas eram quietas e arredias nos primeiros tempos. Jamais contavam a quem quer que fosse algo além daquilo que o pai havia contado ao diretor. A palavra "mãe" parecia não fazer parte de seu vocabulário.

Como previra o diretor, a Escola foi um bom lugar para elas. Parece que foram se esquecendo do tormentoso passado. O conhecimento do evangelho e a aceitação de Cristo tornou-lhes a vida mais amena. Fizeram amizades imorredouras e estudavam com dedicação.

Aquele endereço que o pai havia deixado era de um setor do Ministério da Guerra. Desse mesmo endereço vinham os pagamentos do estipêndio escolar. Para ele, eram também enviados os boletins das meninas. Nas férias, elas ficavam na Escola. Nunca chegaram a ser felizes completamente. Nada lhes faltava, mas não tinham o mais importante. Eram órfãs de pais vivos. Quando ambas haviam terminado os estudos, um oficial, com um documento assinado pelo pai, veio buscá-las. Quando se despediram das colegas, as duas moças disseram-lhes que no Colégio, haviam encontrado uma nova família. Que, apesar de tudo, eram gratas a Deus por ter induzido o pai irado a trazê-las para o Ginásio Adventista.

Mais uma vez, os ideais da Escola fizeram a diferença. Duas vidas amarguradas que foram alcançadas pelos laços de amor e de carinho sob os quais os pioneiros fundaram o Colégio.



Capítulo 5



Não mais sozinhos...



Dois irmãos. adolescentes. Na verdade, dois de um grupo de 11. A família grande, as dificuldades muitas, o dinheiro escasso. O pai era pequeno agricultor de poucas terras. O que conseguia com o trabalho mal dava para o sustento da numerosa família. Escola? Longe e de difícil acesso. Apenas os mais velhos conseguiam freqüentá-la e, assim mesmo, só por algum tempo. Depois de aprender a ler e a fazer algumas contas, então era a hora de parar para ajudar no trabalho que era bastante.

A vida não era fácil para aquela família serrana. Se fácil já não era, de repente ficou desesperadora. Grave doença acomete a mãe e a leva à morte. Pobre pai! Pobres filhos! Onze órfãos, dos quais nem os mais velhos eram capazes de cuidar de si mesmos. O pai, na sua angústia, pôs-se a beber e quase nem percebia o que se passava a sua volta. Os mais velhos tentavam cuidar dos mais novos, mas nem sempre logravam êxito. A situação começou a fugir do controle daquele pai desventurado.

Alguém tomou conhecimento do fato e levou-o ao conhecimento das autoridades sanitárias e educacionais. A família recebeu a visita de elementos ligados a estes setores. Foi feito, então um contato com as autoridades de Taquara para que se visse a possibilidade de os dois menino mais velhos serem recebidos no IACS como alunos-bolsistas.

A situação era muito delicada. Os rapazes não pertenciam à denominação. As vagas para alunos -bolsistas, normalmente, eram reservadas para filhos de membros da igreja. O que fazer? O pedido estava vindo através da inspetora municipal de ensino, que, além de ser a supervisora do Colégio, era sobretudo uma boa amiga da Escola e, muitas vezes, já se empenhara em resolver problemas legais do IACS. Não bastassem estes fatos, havia ainda a questão espiritual e humanitária. Como deixar duas almas necessitadas sem auxílio?

Depois de muitas ponderações, a administração concluiu que se poderia fazer uma tentativa. Sabia-se que os dois irmãos não dispunham sequer de roupa de cama. As roupas de uso diário também eram escassas. Bem, algum jeito se haveria de dar. A inspetora conseguiu com entidades assistenciais do município alguma roupa de cama e cobertas. Já começava o inverno quando os meninos vieram.

No primeiro dia de aula a que assistiram, já soprava um vento frio. O rapaz mais velho foi para a 5ª série que funcionava durante todo o ano, preparando os alunos para o exame de Admissão ao Ginásio. O mais novo foi para a 4ª série. Na mesma sala. Ambos com roupas leves. Deu para perceber que eles não deviam estar sentindo-se confortáveis. Os colegas olhavam-nos penalizados. A uma pergunta da professora, o mais velho respondeu:

"Nós somos sozinhos."

" Como sozinhos? Não há tanta gente aqui na sala?"

" Nós somos sozinhos porque a nossa mãe morreu e o pai precisa cuidar dos nossos irmãos mais novos. Então ele não pode se preocupar com a gente. Nós entendemos e procuramos não lhe dar preocupações. Por isso, nós somos sozinhos." A estas alturas, os olhos de todos estavam úmidos. Mentalmente, cada um estava pensando em uma maneira de ajudar aqueles meninos. Eles precisavam de muitas coisas, mas aquilo de que mais necessitavam era o sentimento de que não estivessem mais sozinhos.

Naquela sala, havia uma aluna que fugia aos padrões dos outro alunos. Era uma senhora que, na juventude, havia estado no Colégio por algum tempo. Depois, por razões várias, fora embora e não mais estudara. Casara-se, tivera duas filhas. Agora, a mais velha já estava na 5ª série. Então, a mãe, ansiosa por mais conhecimento, resolvera voltar aos estudos. Era colega da filha.

"Já sei como vou aproveitar as roupas que meu pai deixou. Vou reformá-las para estes meninos. (Ela era exímia costureira). Creio que para amanhã, já poderei ter pronto um agasalho mais quente para cada um." E aquela senhora acrescentou:

" Eu estava bem indecisa se voltaria ou não a estudar. Foi difícil tomar a resolução. Acho, porém que Deus me orientou a vir, pois Ele sabia que estes meninos precisariam de minha ajuda. Estou contente em poder fazer alguma coisa por eles." No outro dia, havia dois bons agasalhos. Logo em seguida, vieram camisas, calças, etc. Os colegas também trouxeram as suas contribuições. Ficou combinado que os rapazes não saberiam a origem das roupas e dos outros objetos e nem quem os havia dado. Isto não permitiria que ficassem constrangidos.

O tempo foi passando. Os dois irmãos fizeram muitas e valiosas amizades. Foram estudando e progredindo cada vez mais. Não eram santos, claro que não. Eram adolescentes normais. De vez em quando, aprontavam alguma. Nada de grave... Um "puxãozinho de orelha" carinhoso resolvia a situação. Como qualquer menino da idade deles, gostavam muito de uma bola e um deles gostava mais ainda da bolinha de vidro (bolita). Por vezes, após o trabalho, antes de estudar, ele gostava de juntar as suas bolinhas de vidro e jogar "apenas uma partidinha..." Mas eram bons alunos. Cumpriam seus deveres e sempre atendiam ao primeiro chamado. Antes que se terminasse o primeiro ano em que estavam na Escola, disse o mais velho:

"Já não nos sentimos mais sozinhos. Agora temos uma família maior do que aquela que tínhamos antes de a mãe morrer."

O mais velho foi o primeiro a batizar-se. Não tomou repentinamente a decisão. Só o fez quando estava ciente de que a Igreja Adventista era o caminho do Senhor. Nesse dia, prometeu a si mesmo levar a mensagem ao velho pai e aos demais irmãos. Algum tempo depois, o mais novo batizou-se também.

Quando já estavam mais adiantados nos estudos e firmes na fé que os dirigia, era bonito e emocionante vê-los e ouvi-los cantando em dueto nas reuniões espirituais e em outra atividades. Louvavam a Deus com todo a alegria que lhes enchia o viver. Houve muitas lutas, é certo, mas O Senhor os guiou em todas elas.

Os dois irmãos ficaram no Colégio muitos anos. Até terminarem o 2º grau e estarem aptos para a vida. Foram bolsistas por algum tempo. Depois, nas férias, saíam a colportar e a vida, agora, já não era tão difícil.

Quando estavam mais adiantados nos estudos, passaram a desempenhar trabalhos de confiança, nos quais só alunos de bom comportamento podiam ser aproveitados. A administração do IACS nunca se arrependeu de ter feito aquela exceção de receber aqueles meninos para serem alunos-bolsistas.

Terminados os estudos, ambos foram desempenhar funções na Obra de Deus. As esposas, antigas companheiras de estudos, abraçaram a mesma causa como fiéis professoras. Ambos tiveram o privilégio de, por algum tempo, exercer suas funções na Escola que, um dia, lhes abrira suas portas e os transformara em cidadãos úteis e em servos de Deus.

Atualmente, o mais velho desempenha suas atividades como diretor de uma escola de de 1º e 2º graus. Diz ele que cada vez que vê um aluno triste, parecendo sentir-se só, procura conversar com ele e ajudá-lo. Ele ainda se lembra daquele órfão que, um dia, disse à professora que estava sozinho. O irmão mais novo, depois de algum tempo trabalhando na Organização, montou a sua própria escola num estado do norte do Brasil.

Os dois irmãos, nas atividades que exercem no ramo educacional, têm procurado manter brilhando a luz que iluminou os seus caminhos naqueles dias distantes e sombrios em que eles pensavam que estavam sozinhos!



Capítulo 6



De aluno-bolsista a prefeito



A família veio de muito longe. Só com as roupas do corpo. As poucas que tinham. Já tinham conhecido melhores dias, quando o pai era fiel aos preceitos de sua igreja e bom chefe da família. Agora tudo se desmoronara. O pai se pusera a beber, abandonara a família à própria sorte. Quando vinha a casa era para promover distúrbios, espancar a esposa e os filhos maiores e aterrorizar duas meninas que ainda não entendiam bem o que se estava passando. Em vão, os filhos mais velhos, já casados, suplicavam-lhe que não fizesse tal coisa e que voltasse a ser o pai que um dia fora. Inutilmente.

A mãe, então, resolveu juntar os filhos ainda sob sua responsabilidade(seis ao todo), e vir para perto de uma irmã que morava numa região rural. Assim foi. Juntaram algum dinheiro que desse para a passagem e, com dificuldade, se deslocaram para a região chamada Campestre Novo.

Ali, finalmente encontraram alguma paz. A situação econômica da tia, porém, também não era das melhores. Assim era necessário que os membros da família recém-chegada procurassem algum trabalho a fim de que pudessem ajudar nas despesas da casa. Esta também era muito pequena. Com jeito, a tia acomodou os 7 membros da família de sua irmã num pequeno quarto.

Alguns dias mais tarde, um casal de professores do IACS foi visitar uns parentes nessa região. Depois de lhes contar a história da família, um parente disse à professora:

" Por que você não leva a menina mais velha para ajudá-la? Levar esta menina será uma boa obra de caridade cristã e resolverá o seu problema."

A menina veio. Era pequena para a sua idade, mas cumpriu bem o papel que lhe cabia. Lá, na região rural, a mãe saiu à procura de trabalho para os outros filhos. Estes foram recebidos em propriedades diferentes. Passavam a semana trabalhando e, na sexta-feira à tardinha, voltavam a casa da tia para o descanso do sábado. No domingo, pela manhã, ou mesmo, no sábado à noite, retornavam aos seus labores. Caminhavam vários quilômetros a pé, uma vez que não dispunham de nenhum meio de condução e nem dinheiro para tomar um ônibus.

Um bom irmão ofereceu algum trabalho à mãe e arranjou uma pequena casa para ela morar. Apesar das lutas, aquela família agradecia a Deus pela paz que agora podia desfrutar.

O tempo foi passando. A determinada altura, um dos rapazes demonstrou desejo de vir ao IACS para estudar. Ele era miúdo também, e os trabalhos para alunos-bolsistas, geralmente eram um tanto pesados.

A oportunidade foi-lhe dada, porém. Como acontecia com todos, a ele também foi dito que passaria por um período de experiência. Se correspondesse às expectativas do chefe de trabalho, sua vaga estaria garantida.

Assim, lá foi ele para o seu setor de trabalho: agricultura! Iria ajudar o administrador da fazenda nos vários afazeres que faziam parte de seus domínios. O nosso moço não se intimidou. Estava acostumado às lides campeiras e trabalho duro nunca o amedrontara. Com alegria no coração, passou a exercer suas funções na horta, no estábulo, na carrocinha de entregar leite, no reparo de cercas... enfim, fazendo o melhor em tudo o que lhe era dado a fazer.

Não levou muito tempo para que o rapaz se tornasse o braço direito do chefe. Responsável e zeloso, conquistou logo a simpatia de todos os colegas e também dos professores. Agora, por vezes, quando o chefe precisava sair, punha-o a liderar os alunos que trabalhavam no setor. Era da estrita confiança de seu líder.

Alguns anos se passaram. A mãe e os irmãos continuavam a lida. Nesse meio tempo, um dos irmãos que ajudava a manter a casa resolveu casar-se e constituir a sua própria família. Agora, o rapaz da nossa história, precisou deixar os estudos para ser o auxiliar da mãe na manutenção da casa. Ela não queria que tal fato acontecesse, mas o filho, preocupado, resolveu deixar o Colégio e arranjar um trabalho onde pudesse ter um ganho certo para poder cuidar da família.

Com muito esforço e com a ajuda de algumas pessoas, ele conseguiu trazer a mãe para a cidade de Taquara. Conseguiu até um terreno e uma pequena casa para a família. As coisas foram ficando mais fáceis quando ele arranjou um trabalho na prefeitura. Agora, morando perto, podia freqüentar a igreja do Colégio. Não pôde retornar aos estudos, mas foi pouco a pouco progredindo. Cristão de primeira, sempre dava fiel testemunho de sua fé. No início da década de 80, o então prefeito de Taquara, conhecendo a sua dedicação ao trabalho, convidou-o a concorrer ao cargo de vereador. Já casado, o moço buscou conselhos com a esposa e com os demais familiares e também com os líderes da igreja. A opinião unânime foi de que ele devia aproveitar a oportunidade. No próximo pleito, ele concorreu e foi eleito. Fez um bom trabalho. Nas eleições seguintes, foi reeleito. No final de seu segundo mandato como vereador o prefeito que iria deixar o cargo, sugeriu-lhe que se candidatasse para o cargo. Prometeu-lhe ajuda em tudo o que fosse preciso, inclusive na parte financeira. Muito embora, a vida de toda a família estivesse diferente, pois todos os irmãos estavam casados, a mãe acomodada em sua pequena casa, mesmo assim, tudo era conseguido com muito trabalho.

Como a insistência fosse muita, o rapaz, agora, um jovem senhor, começou a pensar na possibilidade de concorrer ao cargo de prefeito do município de Taquara. Procurou, outra vez, os líderes da igreja para que o aconselhassem. Recebeu o apoio de todos. Depois de muita oração e conversas com a família, ele resolveu candidatar-se ao cargo de prefeito.

É claro que os outros concorrentes procuraram prejudicá-lo de todos os meios. Alegavam sua pouca cultura livresca. Afinal, seus anos de estudo foram apenas aqueles em que ele era aluno-bolsista no IACS. Alegaram também que o fato de ser adventista poderia impedir que ele fizesse um bom trabalho.

A questão do sábado foi também bastante enfocada. E se houvesse algum compromisso político nesse dia? O que aconteceria se a cidade tivesse um prefeito adventista?

Apesar de tudo isto, porém, foi uma boa campanha. Os líderes do partido que o apoiava neutralizavam essas questões trazendo à tona os predicados do rapaz. Era bom filho e bom irmão. Parara de estudar para auxiliar a família. Seus princípios morais eram elevados. Tinha sido educado numa Escola preocupada em formar caracteres retos. Como bom adventista, se houvesse alguma dificuldade com relação ao sábado, ele a contornaria sem nenhum problema. Para tanto, haveria um vice-prefeito que poderia atender os compromissos.

As eleições chegaram. Após a contagem dos votos, a vitória! O ex-aluno do IACS havia sido eleito com expressivo número de votos a mais sobre aquele que ficara em segundo lugar. Muita alegria e muita gratidão ao Senhor!

Ele fez um bom trabalho. Foram 4 anos de bom testemunho de uma vida cristã guiada pelos preceitos de Deus. Jamais um sábado foi transgredido. Jamais um culto foi deixado de assistir por razões políticas. Ele era ancião da igreja e continuou a exercer essa função na sua congregação.

Não foram poucas as vezes em que os adversários políticos tentaram manchar-lhe o bom nome, inventando mentiras a seu respeito ou atribuindo-lhe atos menos dignos de cidadão correto. Houve momentos muito difíceis, mas com a graça dos céus, tudo foi resolvido. Ao deixar a prefeitura, no final de seu período, fê-lo de cabeça erguida, com a certeza de ter cumprido o seu dever de bem dirigir os destinos do município. Sobretudo, porém, estava consciente de que soubera honrar ao seu Senhor e elevar bem alto o nome da Escola que um dia o acolhera, sem dinheiro, sem conhecimentos e lhe indicara o caminho da vida, fazendo dele um jovem cheio de nobres ideais e com um desejo ardente de vencer.

Hoje, quando há algum evento em que se cante o hino do IACS, é de se ver o entusiasmo com que ele, ao lado da esposa e dos filhos, canta a plenos pulmões:

"Há uma escola no vale dos Sinos

Que co’um brilho que os astros não têm!

Resplandece na agreste campina,

Ensinado o caminho do bem.

Ò IACS querido, eu te amo,

És meu lar, não te esqueço jamais.

Tu me ensinas a senda da vida,

És meu lar, não te esqueço jamais."



Capítulo 7



Um sonho... uma mensagem



Era uma vez uma senhora . Chamemo-la dona Maria. Ela era uma senhora muito fiel aos preceitos da igreja a que pertencia. Preocupada com o fato de que sua filha adolescente teria de enfrentar todas as maldades da época moderna, temia não estar dando à mocinha os subsídios necessários para a boa formação moral e espiritual da menina.

Em sua sinceridade, pedia Deus que a iluminasse para que pudesse conduzir a filha por um caminho reto e seguro. A pequena não era má, mas a mãe já pressentia nela aquelas pequenas rebeldias próprias da adolescência e isto a deixava cada vez mais preocupada e ansiosa. A possibilidade, mesmo remota, de que a filha pudesse enveredar por caminhos diferentes daqueles nos quais fora educada até então, deixava-a assustada e cheia de angústias.

Procurou o seu guia espiritual. Contou-lhe as suas atribulações. Pediu-lhe que conversasse com a menina. Que lhe desse conselhos a fim de que ela continuasse a ser uma moça de reto viver.

O sacerdote assim o fez. Depois disse à mãe que se acalmasse. Que a filha era uma boa menina. Uma ou outra vez que ela se mostrasse rebelde, não deveria lhe causar maiores preocupações. Eram coisas próprias da idade. Que a mãe tivesse paciência e continuasse a orar pela filha. Algum deslize, seria normal na idade em que a menina estava.

A mãe tranqüilizou-se por algum tempo. Mas à medida em que lia nos jornais ou via na TV o que estava acontecendo com a juventude, aquela senhora voltava a seus antigos temores. Como tinha medo de que sua filha se envolvesse com más companhias e se enredasse em todas as situações que tal fato poderia acarretar... Começou a imaginar a possibilidade de colocar a filha numa escola de formação religiosa, onde, juntamente com a formação acadêmica, ela recebesse preceitos de alta moral e retidão.

Certo dia, dona Maria teve um estranho sonho. Era um domingo e ela e o esposo estavam fazendo um passeio de carro. A viagem era por caminhos bastante conhecidos, por onde já haviam passado muitas vezes. Era uma tarde bonita e ela se deleitava olhando a paisagem a sua volta.

De repente, dona Maria percebeu que a paisagem mudara. Não eram mais cenas às quais ela estivesse acostumada. Embora comentasse o fato com o esposo, este nada lhe respondeu e continuou a seguir pelo mesmo caminho. A senhora, no sonho, estranhou que o esposo estivesse tranqüilo naquela estrada desconhecida. A determinada altura, se aproximaram de um lugar um tanto estranho. Havia gado pastando, e uma porção de rapazes trabalhando embora fosse domingo. Aquilo a intrigou. Avistou, mais à frente, alguns prédios grandes. Pediu ao marido que diminuísse a velocidade porque ela queria observar com cuidado o que estava vendo. Ele a atendeu. Foi então que percebeu um grande portão, encimado por um arco. Havia alguma coisa escrita nele mas ela não conseguiu ler, pois nesse instante sua atenção voltou-se para o que estava acontecendo no próprio portão. Havia um vigilante atento. Alguns carros estavam esperando para entrar. Esquisito, a alguns era permitida a entrada e a outros não. Ela, então, disse ao esposo:

" Este deve ser um lugar muito importante, pois o guarda da entrada não deixa entrar qualquer um. O que será esta instituição?"

Antes que o esposo respondesse, o guarda, que estava de costas, virou-se e ela pôde ver a Sua face. Que surpresa! O guardião daquele estabelecimento era Jesus Cristo!

Nesse momento, dona Maria despertou de seu sonho. Este havia sido tão real, que ela não conseguia conter as lágrimas enquanto o contava ao esposo, querendo entender a mensagem que, no seu entender, aquele sonho queria transmitir-lhe. O esposo pediu-lhe que se acalmasse. O sonho, por certo, era resultado de seu fanatismo religioso. Que mensagem poderia haver num sonho? Certamente, ela havia abusado da alimentação na noite anterior.

Dona Maria, procurou o seu líder espiritual e contou-lhe o que havia sonhado. Recebeu quase a mesma resposta que o marido lhe dera. Não havia porque se preocupar. Um sonho é apenas um sonho Não precisa , necessariamente, conter alguma mensagem especial.

Aquela mulher parou de falar em seu sonho, mas não o esqueceu. Vez por outra, aquele rosto de Jesus que ela vira, vinha a sua mente e ela se emocionava.

Um dia, a família foi convidada para o aniversário de um parente que morava num local onde ele jamais haviam estado. Estavam viajando tranqüilamente, quando dona Maria, pediu ao esposo que parasse.

"Eu conheço este lugar" - disse ela. " Nunca antes nós passamos por aqui!" - respondeu o marido.

Ela insistiu que conhecia e até começou a dizer algumas coisas que estavam à frente. Então ela viu algumas vacas pastando e lembrou-se: o sonho!

Em seguida, avistou os prédios e o portão em forma de arco. Só um fato estava diferente: Jesus Cristo, em pessoa, não estava ali! Emocionada, ela pediu ao marido que se aproximasse mais e então pôde ler o que estava escrito no arco que encimava o portão e que, no sonho, não conseguira ler: Instituto Adventista Cruzeiro do Sul. Não dispunham de muito tempo, mas ela insistiu em se aproximar para saber o que eram aqueles prédios todos e o que se fazia ali. Quando foi informada de que era uma escola de internato com primeiro e segundo graus, ela entendeu a mensagem que Deus, na Sua bondade, lhe havia transmitido através de um sonho. Com determinação e sem nenhuma dúvida, ela disse: " Uma escola que tem Jesus Cristo como guardião é o lugar ideal para minha filha. Aqui, ela vai estudar! Finalmente, minhas orações foram atendidas."

Como fiel seguidora da religião de seus pais, antes de fazer os contatos finais para enviar a filha ao Colégio, ela foi conversar com o seu líder espiritual. Este tentou demover aquela mãe de semelhante idéia. Um sonho era apenas um sonho. Uma coincidência. Colocar a filha numa escola de princípios religiosos diferentes daqueles da família, poderia ser prejudicial para a menina. Ela poderia ser contaminada com idéias de fanatismo e isto não seria bom para ela.

Não houve, porém, argumento capaz de convencer dona Maria. Quanto mais ela pedia as orientações de Deus, mais sentia que deveria levar a filha para aquela Escola que tinha visto no sonho. Não, ela não duvidava de que o Senhor lhe mostrara o caminho a seguir.

Algum tempo depois, os arranjos foram feitos e a mocinha veio para o IACS. A princípio, questionava bastante as questões religiosas. Ficava sempre atenta às palavras ditas nas aulas de Educação Religiosa, querendo "pegar" o professor em alguma contradição. Não queria sequer usar a Bíblia que a mãe lhe havia dado, já que esta fazia parte do material escolar. Com o passar dos dias, porém, foi-se interessando pelas doutrinas e começou a fazer perguntas inteligentes ao professor. Não levou muito tempo e os questionamentos pararam. Ela ouvia, com atenção, o que o professor dizia.

Agora, a moça estava numa encruzilhada. Percebia que havia falhas nas doutrinas nas quais, até então, acreditara. A questão do sábado e da mortalidade da alma eram as que mais a preocupavam. Certa vez, quando foi a casa, num feriado, foi conversar com o líder espiritual da igreja que freqüentara até ir para o internato. Ficou muito surpresa quando, ao perguntar-lhe sobre as crenças dos adventistas, o religioso lhe disse que todas estavam certas porque estavam de acordo com a Bíblia.

" Então, por que a nossa igreja segue caminhos diferentes?" - perguntou a garota.

" Por que um dos nossos chefes espirituais, na antigüidade, resolveu que deveríamos fazer assim."

A moça não perguntou mais nada. Ao conversar com a mãe, disse-lhe tudo o que ouvira e falou-lhe de sua intenção de pesquisar a fundo as doutrinas adventistas. Acrescentou que se realmente estivessem certas, ela se tornaria uma adventista e esperava que a mãe fizesse o mesmo.

Mais uma vez, os ideais pelos quais a Escola foi fundada foram alcançados. No Colégio, aquela moça recebeu não só o preparo intelectual, mas também encontrou o caminho para Cristo. Ficou alguns anos no internato. Quando deixou o Colégio era uma fiel cristã que trouxe para Cristo os pais e outros familiares. Benditos os caminhos do Senhor! Um sonho, uma maravilhosa realidade!



Capítulo 8



Milagres ainda acontecem



Era uma vez um rapaz que desejava ser padre. Mal chegou à adolescência e começou a se preparar para ir ao seminário. Este era seu velho sonho, agora prestes a se realizar.

Embora tivesse pai e mãe, o moço fora criado pela tia. Em vésperas de viajar para o seminário ele foi visitar os pais e os irmãos a fim de despedir-se deles. Já nos primeiros momentos que passou em casa dos pais, o rapaz percebeu que alguma coisa mudara na família. Embora o lar continuasse humilde, havia ali mais alegria, mais amor, mais compreensão. Pouco a pouco, foi-se inteirando do que acontecera. A família havia se mudado e fora morar ao lado de uma família adventista. A vizinha fizera amizade com as irmãs do rapaz. Foi-lhes falando da verdade e logo duas irmãs aceitaram a mensagem e foram batizadas. Não levou muito tempo para que o pai a mãe também se batizassem. Foi assim que o seminário perdeu um futuro padre. O moço de nossa história também tornou-se um adventista.

Agora, em vez de seminário, o moço queria ir para um colégio adventista. O pastor de sua igreja, Irineo Koch, vendo sua disposição prometeu ajudá-lo. Trouxe-o ao IACS para conhecer e aproveitou para interceder por ele junto ao diretor, para que uma vaga de bolsista lhe fosse concedida. Já era quase final de ano e o diretor disse que as poucas vagas já estavam preenchidas, mas acrescentou que tentaria o impossível para que o moço pudesse vir para o Colégio. Foi-lhe dito que aguardasse o chamado até 15 de dezembro. Se não chegasse até essa data, não chegaria mais, pois não teria sido possível arranjar-lhe um lugar como bolsista.

15 de dezembro de 1992! O chamado do Colégio não chegou! Bem, ele viria assim mesmo. De bicicleta. Gastou o pouco dinheiro de que dispunha para consertar a velha bicicleta. Arrumou suas poucas coisas em um saco e estava pronto para a viagem . De Trombudo Central em Santa Catarina, para Taquara, no Rio Grande do Sul.

Iria viajar de madrugada. O pai deu-lhe algum dinheiro. Pouco, porque não havia mais. Antes porém, o moço resolveu telefonar ao pastor Irineo, que morava em outra cidade. O pastor disse-lhe que aguardasse. Que esperasse, que até a meia-noite ele estaria lá para dar-lhe o dinheiro para a viagem. O moço, na sua ansiedade, disse ao pastor que esperaria, mas que se o pastor não chegasse, ele estaria saindo de bicicleta, às 4 horas da manhã.

Perto da meia-noite, o pastor chegou. Que surpresa! Ele trazia o chamado para o moço vir para o IACS. Tinha passado por Taquara e o diretor dera-lhe a carta de chamado para o novo aluno. Cursaria a 5ª série. Agora era aguardar o ônibus e partir!

Finalmente no IACS! Era bem cedo ainda. Foi à tesouraria. Mandaram-no para o chefe dos serviços de manutenção. Este disse-lhe que fosse descansar da viagem e que o procurasse no outro dia pela manhã. O rapaz estava tão ansioso que no outro dia, acordou às 3h30. Foi para o setor de manutenção. Estava fechado. Só então se deu conta do horário. Voltou para o quarto, onde estava sozinho, e ficou aguardando o movimento no dormitório. Ao ouvir o toque da sirene, às 5h30, levantou-se e seguiu a rotina dos outros alunos. Na hora aprazada, foi para o seu setor de trabalho.

Na quinta-feira da primeira semana, pela manhã, o preceptor disse aos novatos que, na sexta-feira à noite e no sábado, queria todos com as melhores roupas que tivessem e não queria ver ninguém de tênis. Só de sapatos. Nas horas do sábado, todos deveriam se arrumar da melhor maneira possível.

Nosso moço ficou preocupado. Ele não tinha sapatos. Só um par de tênis velhos. Foi para o quarto e orou fervorosamente, com lágrimas sinceras. Sabia que Deus podia ajudá-lo. Ao voltar do trabalho, na hora do almoço, achou um par de sapatos marrons no seu quarto. Não eram sapatos novos, mas estavam bem conservados. O rapaz ( que estava sozinho no quarto, pois eram férias) achou que havia chegado um novo aluno para dividir o quarto com ele. O preceptor disse-lhe que não chegara ninguém. Quando o moço lhe falou do sapatos marrons, o preceptor disse que ia investigar para saber se pertenciam a alguém. Como não aparecesse dono para o par de sapatos, e estes coubessem bem nos pés do rapaz, o preceptor lhe disse que os usasse sem problemas. Se aparecesse algum dono, o calçado lhe seria devolvido. Nunca apareceu dono nenhum. Uns três meses depois, um colega que era colportor, deu-lhe um par de sapatos pretos. O nosso moço foi para o trabalho. Quando voltou ao meio-dia, os sapatos marrons haviam desaparecido e nunca mais foram encontrados!

Naquele primeiro fim de semana, o rapaz da nossa história havia conseguido um par de sapatos, mas não tinha roupas apropriadas para o sábado. Um colega levou-o ao seu quarto para escolher algumas roupas que haviam ficado pequenas para o antigo dono. O Pai do céu providenciara também as roupas!

Hoje, este aluno ainda está aqui. Há três anos, uma de suas irmãs também veio para cá . Para os dois, nem tudo tem sido muito fácil. Eles lutam, lutam e estão vencendo. Quando as coisas parecem insolúveis, o Pai do Céu a Quem sempre clamam, olha, com carinho, para eles e tudo se resolve. Como no caso dos sapatos marrons!



Capítulo 9



Influência que redime



Ele era um adolescente cheio de problemas. Os pais, no intuito de tentar modificar-lhe o comportamento, saíram à procura de uma escola que tivesse visíveis princípios de disciplina e moralidade. Indicaram-lhes os colégios adventistas. Como a família pretendesse colocar a maior distância possível entre o filho e os amigos, resolveram mandá-lo para o internato que estivesse mais distante de sua cidade. Moravam no interior do estado de São Paulo. Assim, o rapaz foi enviado para o IACS, no Rio Grande do Sul. Uma enorme distância entre ele e os seus amigos.

O rapaz era educado e gentil. Logo conquistou novos amigos. Gostou da vida de internato. Estranhou bastante a obrigatoriedade de assistir às reuniões religiosas. Um dia, confidenciou a um colega:

"Se não fossem esses cultos a que tenho de assistir, eu seria mais feliz aqui. Outra coisa de que não gosto é estarem a vida toda ‘pegando no meu pé’. Parece que querem que a gente seja santo..."

E era realmente assim. Os preceptores, tendo sido alertados pelos pais a respeito de alguns problemas do rapaz, não o perdiam de vista. Vez por outra, sempre que a oportunidade surgia, alguém se punha a aconselhá-lo sobre a importância de se ter uma vida reta e equilibrada.

O rapaz gostava muito de música. Chegou a fazer teste para participar de um dos corais da Escola. Não o conseguiu, porém. Nas aulas, comportava-se bem, mas todos sabiam que ele tinha um sério problema. Estivera envolvido com a mais terrível praga que assola a juventude moderna: os tóxicos.

Certo dia, ele e mais alguns, apesar de toda vigilância foram apanhados desobedecendo às regras da Escola. Não houve mais o que fazer. Ele e os outros tiveram de ser excluídos da lista de alunos.

Foi com muita tristeza que o diretor interno ligou aos pais para que viessem buscá-lo. Enquanto arrumava suas coisas, o moço disse aos colegas de quarto:

"Vou sentir falta de vocês e de algumas coisas que aprecio aqui. Felizmente, porém, vou me livrar desses cultos a toda hora. Não agüento mais: religião de manhã, religião de noite, religião na sala de aula... Na sexta e no sábado então... Olhem, acho que nunca mais vou querer falar em igreja... Coitados de vocês que ficam por aqui... Eu estou livre...."

Partiu o rapaz. Mais de um ano se passou. Em 1997, no final de semana em que comemorou-se o aniversário da Escola, entre muitos e muitos ex-alunos que vieram para as comemorações, nosso moço também veio. No sábado à noite, houve um encontro festivo de ex-alunos no refeitório do Colégio. Foi um momento muito alegre, cheio de recordações, cheio de amizades. A certa altura da programação, foi dada a oportunidade para quem quisesse contar alguma coisa interessante a respeito de sua vida de estudante.

O moço de nossa história foi dos primeiros a pedir a palavra. Quando ele se levantou, alguns se preocuparam com o que ele diria dizer. Afinal, ele fora mandado embora do IACS.

Então ele começou a narrar a sua história. "Desde o momento em que tomei o ônibus de Taquara para Porto Alegre..." Estas foram suas primeiras palavras. O silêncio foi - se tornando mais completo à medida em que ele ia contando a sua experiência de vida.

Depois que saiu do Colégio, o rapaz voltou para a sua cidade. Por mais que os pais se empenhassem em colocá-lo em outro internato, não conseguiram convencê-lo. Ele ficou estudando na sua cidade e retomou as antigas amizades e os antigos costumes. Vida desregrada, noitadas barulhentas e tudo mais que jovens sem Deus costumam fazer. Mas havia algo que ele não sabia explicar. Ele não era mais o mesmo rapaz que há algum tempo saíra dali. De vez em quando, em meio à algazarra de seu grupo, parecia-lhe ouvir as palavras do preceptor repreendendo-o por aquilo que estava fazendo. Algumas vezes, as palavras de um hino lhe vinham à mente nos momentos mais impróprios. Não foram raras as vezes em que se separava do grupo em momentos de brincadeiras menos recomendáveis. Ele mesmo se sentia um estranho entre os outros. Aquele não era mais o seu grupo. Ou melhor, sentia que ele é que não pertencia mais àquele bando barulhento.

Os momentos mais difíceis para ele eram nas sextas-feiras à noite. Sentia-se mal no meio das bagunças que seus amigos promoviam nesse dia. Assim, por causa desse comportamento, cuja causa ele próprio não conseguia explicar, o grupo foi-se afastando dele e ele foi-se afastando do grupo. Os pais estranharam quando perceberam que o filho já não saía tanto de casa. Desde que voltara do internato, poucas vezes usara drogas e agora dissera aos pais que não mais as usava. Não soube, porém explicar-lhes como conseguira fazê-lo.

Começou a se sentir solitário. Então, aventurou-se, certo dia a orar. Tal como ouvira tanto na Escola. Começou a sentir falta dos cultos que tanto abominara. Sozinho, tentava cantar algum hino do qual se lembrava. Nas sextas-feiras à noite, muita vezes fechava-se em seu quarto lembrando-se dos cultos na igreja do Colégio. Fechava os olhos e "via" os colegas participando, o maestro regendo os hinos, as belas mensagens apresentadas... Estes eram seus momentos de maior saudade. Certa noite, não se conteve e foi procurar a igreja adventista de sua cidade. Queria assistir a um culto. Ele não sabia que só as igrejas de colégio é que têm culto nas sextas à noite.

Ao se aproximar da igreja, percebeu que as luzes estavam acesas. Havia alguns carros à frente da mesma, mas não percebeu movimento que indicasse estar havendo ali um culto. Chegou à porta central, mas esta estava fechada. Virou o trinco e a porta se abriu. Ele entrou. Um conjunto musical estava ensaiando. O moço sentou-se no último banco. Ficou ouvindo o conjunto cantar e chorou... O quanto não daria para estar de novo no seu Colégio... assistindo àqueles mesmos cultos que achara tão enfadonhos... cantando os mesmos hinos que, por vezes, o faziam rir...ouvindo até mesmo as "broncas" que o preceptor lhe dava. Sentia-se o mais desventurado dos jovens.

Num momento em que levantou a cabeça, um dos rapazes do grupo que cantava fez sinal para que ele se aproximasse. Ele assim o fez. Quando se aproximou do grupo, o rapaz que o chamara, mesmo sem parar de cantar, se aproximou dele e colocou a mão no seu ombro. Isto fez com que o nosso rapaz se emocionasse ainda mais. Pareceu-lhe estar de novo na igreja da sua Escola, num momento de culto especial quando todos se cumprimentavam ou se davam as mãos para cantar ou para orar.

Terminado o ensaio, o moço contou aos componentes do conjunto toda a sua história. Foi-lhe dito então, que ele não estava mais sozinho. Que agora tinha novos amigos adventistas que orariam por ele e estariam ao seu lado. Convidaram-no para vir à igreja no dia seguinte. Ele veio e nunca mais deixou de vir um sábado sequer.

Esta foi a história que o rapaz contou naquele encontro de ex-alunos. Embora ainda não fosse batizado, já se considerava um membro da igreja. Nem era preciso falar de sua gratidão para com a Escola que um dia o acolhera e plantara nele a semente da verdade que depois viria a germinar e a dar os seus frutos.

Quando ele terminou de contar a sua história, os olhos de todos estavam úmidos. Houve palmas emocionadas e sentimentos de agradecimento a Deus por mais uma vida a Ele consagrada. Mais um fruto da semente plantada, há tantos anos, por um homem resoluto cheio de santos ideais para a juventude.

Posteriormente, o rapaz se batizou. Tornou-se líder de jovens de sua igreja. Periodicamente vem visitar sua amada Escola. A Escola do Sul que lhe apontou o Norte da vida.



Capítulo 10



Mesmo em longes terras



Em 1995, a Escola recebeu um grupo de alunos de Angola, país de fala portuguesa situado no continente africano. Por causa das guerrilhas que assolam o país desde a sua independência, muitos jovens têm dificuldade em estudar. Assim , o cônsul angolano no Brasil, aproveitando-se de convênio educacional que o Brasil mantém com Angola, resolveu trazer um grupo de jovens para estudarem aqui. Conheceu o sistema educacional adventista e gostou. Então um grupo foi selecionado para vir ao IACS.

Já há algum tempo, vez por outra, havia alunos desse país estudando na Escola. Todos, porém vindo de famílias adventistas e procurando um lugar para estudar com mais tranqüilidade. Agora, aos 3 ou 4 que já estavam no IACS, acrescentou-se este novo grupo.

Estes jovens logo se integraram à vida colegial e ganharam o carinho e a afeição de toda a família colegial. Uma moça, bastante inteligente e estudiosa, logo começou a questionar as crenças religiosas da Escola. Ao ouvir sobre o sábado e outras questões doutrinárias, a sua mente ia-se enchendo de dúvidas quanto a tudo aquilo em que, até agora, acreditara.

Ela bem se lembrava de que quando ficou decidido que ela viria estudar no Brasil, ela procurara o sacerdote de sua igreja. Quando este soube que o colégio para onde ela viria era adventista, tentou de movê-la de seu intento. Contou-lhe de um rapaz, fiel em sua fé, que fora estudar no Seminário Adventista de Bongo, em Huambo, e em pouco tempo deixara a igreja de seus pais. Insistiu em que ela repensasse e dissesse ao cônsul, seu tio, que a mandasse para outro colégio. Estaria, agora acontecendo com ela o mesmo que acontecera com o outro jovem?

A moça então, resolveu fechar-se dentro de si mesma e não prestar muita atenção naquilo que ouvia relacionado à religião seguida na Escola. Ia aos cultos, ouvia a leitura da Inspiração Matinal que era lida no culto matutino no dormitório. Também ouvia o estudo da lição da Escola Sabatina. Gostava dos hinos que ouvia. Mas estava decidida a não se deixar influenciar pelas doutrinas.

No segundo semestre, um dos professores passou a ministrar uma classe bíblica no dormitório feminino. Ela resolveu assistir, apenas para agradar o professor que a havia convidado. Muitas questões vieram a sua mente. Ela percebeu que havia muita verdade em tudo o que ouvia. Mas não queria convencer-se disto.

Nas férias de inverno de 1996, o grupo ficou na Escola. Um dos professores disse-lhe que já que ela gostava de ler, que lesse o livro " O Grande Conflito". Ela, então, começou a ler. A princípio não gostou. Mas insistiu. À medida em que ia lendo, tinha a impressão de que seu coração começava a queimar. Ao ler as páginas referentes . inquisição ela se angustiou. Ela não podia entender como os líderes da igreja que ela amava pudessem ter feito algo tão horrendo. Em cinco dias, ela leu todo o livro. Quando o terminou, estava pronta para se batizar. Aquilo que foi aprendendo, foi partilhando com um irmão e com dois outros amigos angolanos.

Em setembro, no batismo da primavera, os quatro se entregaram a Cristo Dois rapazes e duas moças. As primícias angolanas. No dia do batismo, cada um recebeu uma rosa para ser dada a alguém que a pessoa gostaria de ver batizar-se no próximo batismo. A nossa moça entregou a sua rosa para sua irmã mais nova que ela. Um dos rapazes entregou a sua a outro irmão dela. Estes se batizaram no início do ano seguinte.

Bem, a história não termina aí. Um dos irmãos da moça em apreço, era muito problemático antes de vir para o Colégio. Os pais, lá em Angola, já não sabiam o que fazer com ele. Quando foi lhe dada a oportunidade de vir estudar no Brasil, os pais ficaram contentes. Mas comentaram entre si:

"Será que ele fica? Será que estranhos vão agüentá-lo, se nós seus pais, quase não podemos mais com ele? Acontece que o jovem aceitou bem os regulamentos da Escola. Os pais, começaram a receber notícias diferentes das que esperavam. Quando a mãe telefonava, o preceptor lhe dizia que o filho, não era santo, é claro, mas estava se comportando dentro do esperado pela Escola. Lá pelas tantas, o rapaz transgrediu um regulamento. De acordo com as regras do Colégio, era um caso de desligamento do internato Os professores, porém se empenharam em pedir à administração que uma nova chance fosse dada a ele.

Os pais, em Angola, estavam admirados com o comportamento do filho. Na época do deslize do rapaz, o fato não foi comunicado aos pais. Já que uma nova chance lhe fora dada não havia motivos para preocupá-los. Passado algum tempo, o grupo de rapazes angolanos resolveu criar um conjunto musical. Todos participavam: os adventistas mais antigos, os recém batizados e até alguns que ainda não haviam feito a decisão de se unir a Cristo. O grupo musical era muito simpático e logo agradou a todos.

No final de 1997, a mãe veio para a formatura da filha mais velha, a moça da nossa história. Ao conversar com o filho problemático, percebeu o quanto ele estava mudado. Ficou a imaginar o que poderia haver na educação adventista capaz de transformar tanto uma pessoa. Quando a filha lhe contou do triste erro que ele havia cometido e como lhe haviam dado uma nova chance, ela mais ainda se emocionou. Que pessoas eram os adventistas, que se preocupavam tanto com os jovens a eles confiados? Quando viu o filho cantando junto com os outros, seu coração bateu mais forte, cheio de alegria. Ela voltou a seu país com a mente cheia de dúvidas. Ela havia gostado muito dos cultos a que assistira. Gostara especialmente dos hinos. No final de 1997, ela veio outra vez para a formatura de outro filho. Depois da formatura, ela e os filhos foram passar as férias no Rio de Janeiro. Lá, começou a freqüentar a igreja junto com os eles.

Quando as férias terminaram e ela regressou a Angola, já era uma adventista. Só faltava o batismo. Ao chegar a seu país, recebeu uma série de estudo e se batizou. Hoje, é líder na igreja que freqüenta. Seu trabalho missionário especial é trabalhar com os jovens. Com zelo e amor, ela vai em busca daqueles jovens que têm problemas.

Aqueles que estão afastados da igreja. Aqueles que sentem falta de alguém que se preocupe com eles. Tem conseguido muitas vitórias.

A moça, com a qual começamos esta história, não está mais no IACS. Ela e três irmãos já estão cursando a faculdade no Rio de Janeiro. Ela está cursando medicina e também é líder na igreja que freqüenta. Dinâmica e esforçada, promove programas de saúde que abrangem não só o pessoal da igreja, mas também a comunidade. É também ativa na liderança JA. O irmão mais novo ainda está aqui terminando seus estudos

Lá em Luanda, capital de Angola, há uma luz brilhando. E esta luz foi acesa, aqui, na Escola que nós amamos!



Capítulo 11



"Setenta anos fazendo brilhar estrelas"



Que poderia dizer mais? Quantas histórias poderiam ser evocadas? Muitas e muitas. Como já se disse este é apenas um "livrinho". Como poderíamos abranger nele todos os fatos maravilhosos que estas plagas presenciaram? Muitos e muitos... Poderia falar do "pretinho de ouro", que de menino de rua, tornou-se um jovem, cujo trabalho de enfermeiro tem levado luz por onde quer que ele vá. De família muito pobre, perambulava pelas ruas de uma cidade sulina. Um irmão da igreja o recolheu, ensinou-lhe os caminhos do Senhor e com a ajuda do pastor, o menino foi enviado ao IACS. Como tantos outros antes dele, veio só com a roupa do corpo e sem nenhum dinheiro. Trouxe, porém, um desejo imenso de trabalhar, estudar e progredir. Alguém providenciou-lhe as roupas mais necessárias. Muitos anos ele ficou nesta Casa. Gentil e alegre, conquistou a simpatia e o carinho de todos os seus colegas. Mais de uma vez foi eleito, por moças e rapazes, como o melhor companheiro e recebeu as homenagens inerentes ao título.

Há ainda aquele rapaz que veio de bicicleta desde Porto Velho, em Rondônia. Era a época do Congresso de jovens de Gramado. Ele e um amigo, sem dinheiro para viajar, resolveram enfrentar os milhares de quilômetros de bicicleta. Uma pequena mochila, uns trocados no bolso, muita coragem para enfrentar desafios, e lá vieram eles. Paravam em quartéis, na estrada, e sempre foram bem recebidos por todos aqueles a quem solicitavam ajuda. Finalmente chegaram! Tiveram seu lugar de honra no Congresso. Terminadas as reuniões, resolveram ficar estudando no IACS. Foi-lhes dada uma vaga de bolsista. Nosso moço, feliz enfrentou o trabalho e aqui ficou. O companheiro preferiu voltar para sua terra. O moço que ficou enfrentou muitas dificuldades, inclusive um sério problema de saúde. Venceu, porém. Por razões familiares, não pôde concluir aqui o 2º grau. Mas sempre diz que deve todo seu progresso a esta Escola que ele tanto ama. Hoje, é professor numa escola adventista da capital de seu estado.

E aquela moça que ao converter-se, foi mandada embora de casa? No dia em que resolveu batizar-se e comunicou o pai, este lhe disse que em casa não haveria mais lugar para ela. Para a família ela não existiria mais. Seus amigos adventistas que a recolhessem e cuidassem dela. No IACS, houve um cantinho para ela. Trabalhou muito... Enfrentou muitos e muitos problemas. Sempre contente, porém.

Sempre com um sorriso nos lábios. Hoje está formada e agradece a Deus que a trouxe, um dia, a este recanto de paz. Estes três casos ilustram muitos e muitos outros do mesmo teor. Desde o longínquo começo, até nossos dias, uma plêiade de jovens cumpriu e está cumprindo seu dever na igreja e na sociedade, com denodo e galhardia porque, um dia, adentraram os portais deste jardim do Senhor!

E assim, entre altos e baixos, alegrias e tristezas, lutas e vitórias, 70 anos se passaram! O casal de pioneiros, mesmo em seus devaneios mais arrojados, jamais chegou a imaginar que, aquela Escola de tão humilde começo chegasse a ser o que é hoje.

Durante estes anos todos, tudo mudou... Muitos prédios, muitas inovações, muito progresso. Daquele passado longínquo de 1928, 1929... restam lembranças... na maior parte das vezes, doces lembranças e muita saudade no coração daqueles que partilharam aqueles dias pioneiros. Das primeiras turmas, poucos ainda continuam a caminhada neste mundo. A maioria já encerrou os seus labores. Mas há muitos e muitos dos anos seguintes, das décadas posteriores que sempre que podem, visitam este lar que nunca deixou de ser "seu lar", mesmo por que ninguém deixou de considerar-se "filho".

11 de março de 19291 O "Collégio Cruzeiro do Sul" iniciou suas atividades com 27 alunos e apenas 1 professor! 15 de fevereiro de 1999... O Instituto Adventista Cruzeiro do Sul entra em sua 80ª década com 1030 alunos, 90 professores e funcionários. Outrora, a preocupação eram os ensinos elementares... Hoje, vai-se de Educação Infantil a vários cursos de nível médio e cursos profissionalizantes. De uma escola de um único prédio, passamos, agora, a contar com muitos edifícios e com necessidade de se construir mais alguns.

A mensagem do anjo foi verdadeira: ... "o Senhor será contigo e a obra prosperará..." E prosperou. Ninguém tem dúvidas quanto a isto.

De uns anos a este tempo, esta Casa tem tido um raro privilégio. A cada comemoração de aniversário temos entre nós os filhos do casal de pioneiros fundadores. Sempre há 2. Algumas vezes, porém, temos podido contar com os 3 irmãos Harder: Leon, Palmer e Neander, geralmente com suas esposas e, por vezes, com algum filho. Emociona a qualquer um, vê-los olhando a paisagem e recordando este ou aquele fato ali ocorrido.

Em 1988, ao ensejo dos 60 anos da Escola, fundou-se o Museu Histórico A C. Harder. Há ali muitas fotografias e muito objetos relacionados ao casal Harder, à família e à história do Colégio. Visitar o Museu também é prioridade dos irmãos Harder. A cada ano, eles trazem elementos de inestimável valor afetivo e histórico para aumentar o acervo do Museu. Entre os objetos existentes, talvez os mais preciosos sejam uma Bíblia que pertenceu a Abraham Classen Harder e uma colcha de retalhos costurada por Mary Harder já na velhice avançada. Ali estão também várias ferramentas que pertenceram ao missionário e a primeira bandeira da Escola, bordada a mão por moças habilidosas. Num canto, está, ainda inteira, graças a alguma pequena reforma, a carroça que era puxada pelo cavalo Chico.

Nas paredes, muitas e muitas fotos, especialmente dos primeiros anos de funcionamento. Os irmãos Harder têm sido liberais e no-las trazem prontas e emolduradas. Pode-se acompanhar a história do IACS, desde a fundação até o final da era Harder através de fotografias.

Há alguns anos, a Biblioteca da Escola passou a chamar-se "Biblioteca Mary Harder" . Lá estão expostos dois belíssimos quadros doados pelos 3 irmãos: uma fotografia de mamãe Harder e um outro quadro onde estão embutidos 3 volumes dos " Testemunhos para a Igreja" em inglês e que pertenceram ao casal. No mesmo quadro, há uma foto dos pioneiros na biblioteca do último lar em que residiram.

Em 1998, quando o Instituto Adventista Cruzeiro do Sul comemorou os 70 anos, tivemos entre nós 2 dos irmãos Harder e mais 7 netos do fundador desta Casa. Leon, o filho mais velho de Abraham e Mary, ao chegar a Porto Alegre, onde tem parentes, adoeceu, foi hospitalizado e não pôde estar presente às cerimônias festivas.

Agora, o futuro está aí. Não há necessidade de temores. Aquele mesmo Deus que esteve com os fundadores continua a reger os destinos do Instituto Adventista Cruzeiro do Sul Os ideais são os mesmos e os objetivos continuam a ser alcançados, tal como o desejavam papai e mamãe Harder.

Eles há muito descansaram de seus labores. Abraham Classen Harder faleceu a 15 de maio de 1983. Tinha então 94 anos. Mary Harder ainda viveu por mais 3 anos. Ela fechou os olhos para sempre em 9 de janeiro de 1986 com quase 96 anos.

Sabemos que, mesmo de longe, o missionário e a esposa continuavam a acompanhar os destinos da Escola que um dia haviam fundado sozinhos e com as economias que tinham. Sabemos também que nunca se arrependeram. Vibravam de emoção quando sabiam de novidades da Instituição que amavam. Papai Harder tinha um registro do número de alunos do IACS que, durante todos os anos em que ele acompanhou o desenvolvimento do mesmo, haviam- se dedicado ao ministério do Senhor. Para ele, esta era a maior recompensa que Deus poderia ter-lhe concedido nesta vida.

A 29 de março de 1999, faleceu também Ernesto Roth. O querido professor, que deu a primeira aula nesta Escola, trabalhou na Organização Adventista em vários setores, desde pastor distrital até presidente de Associação. Em 1978, quando o IACS completou 50 anos, pastor Roth esteve presente e contou a alunos e professores muito da história da Escola. Foi a partir daí que surgiu a idéia de elaborar este livrinho. Uma história de fé tão admirável não poderia ser relegada ao esquecimento.

"IACS - 70 anos fazendo brilhar estrelas!" foi o dístico escolhido para marcar o 70º aniversário do Colégio. Tem sido realmente assim. O brilho das estrelas do "Cruzeiro do Sul" tem-se espalhado pelos rincões gaúchos e pelos estados brasileiros. Mas não fica só na terra natal. Há estrelas iacsenses em outros lugares do planeta. São missionários, são profissionais das mais várias especialidades que deixa-ram o país verde e amarelo e foram buscar novos caminhos em terras de além-mar.

70 anos fazendo brilhar estrelas! Temos certeza de que enquanto o mundo for mundo, mais e mais estrelas estarão avolumando esta constelação diferente que, um dia , um homem de Deus fez surgir nestas plagas sulinas que ele e a família tanto amaram!



Epílogo



Nossa imaginação, essa dádiva maravilhosa que Deus nos deu, leva-nos agora a um tempo, talvez não muito distante, no futuro. Quando? Não sabemos... não importa, porém...

Regiões celestiais... Eternidade... Dias meses ou anos depois da volta de Jesus. O tempo não tem significado algum para aqueles que ali estão. As lembranças das mágoas e das dores se desfizeram.

Cada um que ali está sente-se surpreso e maravilhado. Embora houvesse aceitado a salvação de Jesus, embora tivesse lutado por ser um servo fiel, ainda assim está surpreso por haver alcançado o galardão. Surpreso e grato. Que Jesus maravilhoso este que completou o seu incompleto e o trouxe à salvação eterna!

Há muito o que ver. Há muito o que ouvir. Há muitos a quem encontrar...Vindos de lugares os mais distantes uns dos outros, todos parecem amigos antigos, ou melhor, sentem-se irmãos. E não o são? Afinal, o Salvador não é o irmão mais velho de todos?

Embora tudo isto seja verdadeiro, que alegria quando velhos conhecidos da Terra se reencontram! Mesmo que a lembrança do mal não mais os perturbe, relembram as lutas e as vitórias, falam sobre irmãos que ainda não encontraram, ou então, uns vão contando aos outros sobre aqueles amigos que já foram encontrados. Que momentos felizes!

A linguagem? Não importa! Todos se entendem perfeitamente. Enfim, esta não é a casa do Rei do Universo?

Em imaginação, eis-nos num lugar tranqüilo... Quem sabe junto à árvore da vida. Dois ou três amigos se encontram.

Reconhecem-se, embora , lá na Terra, nunca mais se tenham encontrado depois que se separaram quando eram jovens. Quanto a conversar! Quanto a relembrar! De repente, alguém diz, cheio de emoção:

" Sabem a quem encontrei? Mamãe e Papai Harder! Lembram-se deles?"

Os olhos dos que ouvem se iluminam... Como não se lembrariam? A dedicação, o carinho deste amado casal mudara suas vidas e, por que não dizer? O fato de estarem agora, ali, desfrutando das glórias celestiais, deviam em muito aos conselhos, às admoestações que haviam recebido naquele velho lar que os recebera um dia. Abençoadas admoestações!

Enquanto se encaminham para encontrar o casal de pioneiros, começam a recordar os tempos passados e vão buscando, aqui e ali, outros que, direta ou indiretamente, tiveram suas vidas influenciadas pelo trabalho do casal que agora procuram.

" Em que ano fomos para a casa deles mesmo?"

" Para a casa deles, não! Para a Escola que eles fundaram!"

"E não era a mesma coisa? Não morávamos, no início, na mesma casa junto com a família?"

O grupo vai aumentando... De épocas diversas... de anos diferentes. 1929, 1930, 1931, 1945...1997... Os "filhos" de mamãe Harder e de Papai Harder estão ansiosos por encontrá-los. Comentam sobre as dificuldades que enfrentaram, sobre a ajuda que receberam, sobre a formação recebida e sobre o trabalho que cada um desempenhou depois, como obreiro na Obra do Senhor, ou como cidadão útil à sociedade. Agora estão ansiosos para contar aos pioneiros quão importantes foram os conhecimentos recebidos diretamente deles ou na Escola que eles fundaram. Cheio de emoção, um deles diz em alta voz:

" Ah, Escolinha Cruzeiro do Sul! Tão humilde, tão pequena no início, mas tão nossa!"

Nesse momento, alguém que vai passando, pára e se aproxima do grupo.

"Vocês falavam em Escola Cruzeiro do Sul? Foi isso que ouvi? Uma Escola lá no sul do Brasil?"

"Por quê? Porventura estudou lá ? Em que ano?"

"Claro! E formei-me em 1998, no ano em que a Escola completava 70 anos de existência!"

A conversa se anima ainda mais. Todos querem contar alguma coisa de seus dias no Colégio Os primeiros, os que vieram depois, os últimos... Alguns dizem que, não fora o fato de terem ido, um dia, para o Colégio que Papai e Mamãe Harder fundaram, provavelmente jamais teriam encontrado o caminho seguro para os céus. Quanta alegria! Tudo é felicidade! "O que o olho não viu... o que o ouvido não ouviu..." É a eternidade!

Nossa imaginação nos permite supor que, em determinado momento, alguém conta que, deixara o seu país, num distante continente e viera ao antigo lar, na época já uma grande Instituição, onde encontrara muitos amigos queridos, muito conhecimento, mas encontrara sobretudo o amigo Jesus que lhe dera a salvação.

Todos, a uma voz, concluem que o ideal de amor do casal Harder foi plenamente alcançado. O grupo, agora é grande...Os de 29, os de 30... aqueles que estiveram no "Collegio Cruzeiro do Sul"... Outros das décadas de 40, de 50, quando a Escola era Ginásio Adventista de Taquara... Finalmente os das décadas subseqüentes do então Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, o querido IACS! Alguns tiveram o privilégio de conviver com o casal fundador e com seus filhos legítimos. Outros são de outras épocas. Mas a gratidão é a mesma.

Emocionados, vão ao encontro do casal. Encontram-no. Finalmente, têm oportunidade de dizer a ambos, as palavras que todos, quando ainda na Terra pecadora, gostariam de ter dito com carinho. Fazem-no, agora, com a voz carregada de emoção e num abraço partilhado por todos: " Obrigado, Papai Harder! Obrigado, Mamãe Harder! "



Adendo



Mensagem de amor de um pioneiro



Abraham e Mary Harder nunca mais voltaram ao IACS depois que daqui partiram. Mesmo de longe, porém, continuaram a acompanhar o desenvolvimento da Escola. Já no final da existência, ele gravou uma fita cassete contando a história da fundação do Colégio e os fatos principais que marcaram os primeiros tempos da escola de seus sonhos.

Esta fita ficou esquecida, em algum lugar. No início da década de 90, seus filhos a encontram entre velhos pertences dos pais, então já falecidos. A fita estava um tanto estragada e com muito chiado. Foi levada a um restaurador e depois foi-nos trazida. Tem ainda algum chiado, mas está perfeitamente compreensível. Pode-se ouvir aquela voz, já um tanto cansada pela idade, com forte sotaque americano, contar, em palavras repassadas de carinho, a história da fundação deste recanto que eles tanto amaram.

Ficaria repetitivo transcrevê-la toda. Há porém, alguns trechos tão significativos que não podemos deixar de citar. Ei-los:

Foi na primavera do ano de 1922, que minha esposa e eu recebemos o convite da associação Geral, para irmos à Associação Sul-Riograndense do Brasil. Os últimos anos havíamos trabalhado na Associação de Alberta, no Canadá; e uma mudança do longínquo norte para um campo do sul do Brasil, foi motivo de bastante preocupação. Significava aprender um novo idioma, do qual nada sabíamos. Para nós o chamado veio de Deus, e o aceitamos. O chamado foi urgente, e assim deixamos para trás tudo o que nos poderia deter e deixamos nossa pátria rumo ao Brasil

(...)

Pouco após nossa chegada, visitei as diferentes igrejas, a fim de conhecer o Campo. Encontrei muitos jovens em todas as igrejas; porém, apenas cinco escola paroquiais, situadas em Rolante, Campestre, Campo dos Quevedos, Não me Toque e Faxinal de Dentro.

(...)

Muitos jovens iam ao Colégio em São Paulo, sem o devido preparo, com apenas os primeiros anos do curso ,primário. A distância do Rio grande do Sul a São Paulo era de quatro dias e quatro noites pelo trem, ou seis dias pelo navio. As possibilidades de trabalhar para enfrentar as despesas, desta classe de jovens, eram precárias, tornado-se quase impossível irem a São Paulo para estudar nas classes elementares. Assim , passei muito tempo estudando a possibilidade de estabelecer uma instituição no Rio Grande do Sul, onde esta classe de estudantes poderia passar alguns ano, com pouca despesa, para prepararem-se, e então seguir a São Paulo para o curso mais avançado. O Campo era rico em jovens, mas pobre em finanças. Vária vezes apresentei nossa necessidade à União Sul Brasileira. Mas as necessidades eram grandes em todos os campos, e assim tivemos de esperar.

Então, lembrei-me dum livro que havia lido chamado " O Apóstolo Moderno da Fé" escrito por George Mueller. Deus o acompanhou, pois baseado na fé, construiu um orfanato em Bristol, Inglaterra, desempenhando uma das maiores obras modernas se fé. Decidi que deveríamos ter uma instituição escolar para nossa querida juventude no Rio Grande do Sul, custasse o que

(...)

Ao se desenvolver este educandário, de ano em ano, vimos a necessidade de maiores prédios, cursos avançados e mais professores. Nossos próprios filhos, que nos ajudaram nas responsabilidades diárias, atingiram a idade de irem ao colégio em São Paulo. Minha esposa e eu, decidimos, com o consentimento dos filhos, oferecer a propriedade, prédios e terrenos, como dádiva, sem compromisso algum, à Associação Sul-Riograndense, para dirigir os destinos deste educandário; não incluindo a leiteria e o gado.

(...)

Assim concluí nossa relação com o Instituto Cruzeiro do Sul, no, fim do ano 1938. Como gostaríamos de rever mais uma vez este educandário, após tantos anos! Sentimos muito, pelos erros feitos enquanto lá labutamos, mas foi uma "Obra de Fé". Somente desta maneira foi possível desempenhar vitoriosamente um empreendimento que humanamente parecia impossível. Se não estou enganado, batizamos neste período de tempo (1929 - 1938), 84 alunos, enviamos 64 colportores ao campo de colportagem, e se formaram 44 alunos.

Contribuímos com tudo o que possuíamos e deixamos tudo para a Instituição. Saímos sem recursos alguns. Foi só depois de trabalharmos mais algum tempo na causa de Deus que começamos a economizar para estabelecer um lar, a fim de termos um abrigo para os nossos dias de velhice.

(...)

Ao lançarmos um olhar retrospectivo, parece que contribuímos tão pouco; deveríamos ter feito muito mais. O Senhor nos perdoou os nossos erros cometidos e sabemos que temos um FAROL (sic) iluminando em Taquara, no Rio Grande do Sul.

(...)

Temos certeza de que, hoje, não há um campo no Brasil, que não tenha obreiros que alguma vez foram alunos do Instituto de Taquara. Isto, inclui ministros, administradores, médicos, enfermeiros, professores e obreiros de escritório, além de centenas que servem nas igrejas locais, através do Campo.

Quão diferente quadro, comparado ao que vimos no ano se 1922 quando chegamos ao estado do Rio grande do Sul. (...) Como nos regozijamos em termos uma parte tão pequena neste trabalho maravilhoso. Nossa orações sempre vos acompanharão, e esperamos que o farol, que foi acendido lá, continuará a brilhar, enviando sua luz aos rincões mais afastados do Campo, oferecendo uma educação aos milhares de jovens de nossas igrejas.

Vossos humildes servos na causa do Mestre,

Pastor A. C. Harder e esposa.



Um homem de Deus


Houve um homem de Deus

Chamado Abraham.

Abraão, como o outro, o da Bíblia.

Tomou sua família

(Mary era sua esposa)

E veio para longe, a uma terra

Que o Senhor lhe indicou


Peregrino, como o outro, o da Bíblia.

Sonhador de esperança,

Plantou neste vale dos Sinos

Uma escola,

Um jardim do Senhor.

Uma escola ideal,

Como o outro plantara um dia,

Em Manre, um altar...

E o nosso Abraham,

Pai de grande nação não se fez,

Como o outro Abraão

O da Bíblia...

Foi somente um papai... papai Harder

Para tantos e tantos,

Que aqui vinham buscar o saber.


E ela, como Sara, abençoada,

Aos três filhos, juntou muitos mais.

E mamãe, para eles se fez.

Mamãe Harder, carinho e amor

Sua vida, outras vidas marcou.


Houve um homem de Deus.

Abraham , o seu nome,

Que uma Escola plantou...

O Senhor abençoou

Como um anjo dissera

Que seria afinal.


Hoje a escola aí está,

Sobranceira...Um farol

Iluminando, qual sonhara o pioneiro.

Aquele homem de Deus,

Chamado Abraham!



Mamãe Harder

Necrológio de Mary Voth Harder, lida em seu funeral pelo neto Elmer Harder que também o leu nas comemorações dos 70 anos do IACS

Mary Voth Harder nasceu em 7 de fevereiro de 1890 em Parker, Dacota do Sul, filha de Abraham e Sara Voth. Ela estudou no Seminário Adventista de Clinton, Missouri, onde também conheceu seu marido Abraham C. Harder. Eles se casaram em 27 de maio de 1911.

Logo depois do casamento, eles começaram seu trabalho de obreiros em Kansas. Ele como evangelista e ela como instrutor bíblica e organista.

Depois de poucos meses, eles aceitaram o chamado para serem professores no Canadá. Por dois anos, ele trabalhou numa escola elementar como professor e nos nove anos seguintes foi professor no Colégio Adventista em Lacombe, Alberta. Durante todos estes 11 anos, Mary sempre desempenhou funções na cozinha da escola, trabalho que ela realizava sem remuneração. Era uma missionária voluntária de tempo integral.

Em treze de janeiro de 1917, nasce seu primeiro filho Leon Mozart. As meninas do internato se revezavam tomando conta do bebê, enquanto Mary continuava sua responsabilidade na cozinha da escola. Em onze de janeiro de 1921, nasce o segundo filho, Palmer Wilbert. Mary, nesta época, estava em Oklahoma, visitando seu pai que havia sofrido um ataque cardíaco. Seu pai faleceu quatro dias após o nascimento de Palmer.

Em outubro de 1922, Abraham e Mary aceitam o chamado do campo missionário, para trabalhar no Brasil, na América do Sul. Ele foi chamado para ser presidente da Associação Sul-Riograndense, localizada no extremo sul do país. Ela estava sempre ao seu lado, ajudando no que fosse possível. Em cinco de novembro de 1925, nasce o 3º filho, Neander Calvin.

Em 1928, Abraham e Mary mudam-se para Taquara, também no sul do Brasil para fundar uma Instituição educacional particular. Mary tinha recebido apreciável herança de seus pais e este dinheiro foi usado para comprar as terras para a nova Escola e para construir alguns dos edifícios escolares.

Por 10 anos, eles trabalharam no desenvolvimento desta Instituição. Ele era o administrador e também professor e ela dirigia a cozinha e providenciava a alimentação dos estudantes. Além disto, ela também cuidava da lavanderia e pessoalmente lavava roupas, a mão, na beira do rio. A roupa era passada num ferro a brasa. Durante a noite, enquanto todos dormiam, Mary costurava e remendava as roupas dos estudantes. Ela também era preceptora das moças.

Cada estudante era aceito na escola fosse qual fosse sua condição financeira. Todos eram tratados com amor por Mary, como se todos fossem seus próprios filhos. O corpo estudantil era como se fosse uma grande família. Ela era chamada pelos estudantes por "mamãe Harder". Este foi um período de grandes dificuldades, trabalho árduo e muitos sacrifícios. O trabalho dela era sempre voluntário.

Depois de a instituição estar bem organizada e funcionando normalmente, tudo foi doado à Organização Adventista. Fora um pequeno começo que crescera e se desenvolvera ano após ano.

Em 1940, Abraham e Mary recebem o chamado para voltar ao trabalho de obreiros assalariados. Ele seria pastor distrital na cidade de Serra Pelada no estado do Espírito Santo. Ela se torna professora da escola paroquial e neste tempo aceitou algum pagamento dos alunos em forma de produtos agrícolas: leite, queijo, manteiga, frutas vegetais... Jamais aceitou dinheiro em espécie.

Em 1941, depois de 19 anos de árduo trabalho, Abraham e Mary vão aos Estados Unidos pela primeira vez visitar os parentes. Em 1942, eles voltam ao Brasil para outro período de 6 anos em campo missionário. Durante os anos da 2ª Guerra Mundial, ela trabalhou como voluntária e ajudou grandemente a Cruz Vermelha Brasileira.

Em 1948, o casal regressa definitivamente aos Estados Unidos, onde ele continuou seu trabalho de evangelismo entre as pessoas de fala portuguesa em Los Baños e Augustin. Mary tinha sempre interesse pessoal no trabalho da Sociedade das Senhoras Dorcas e se preocupava muito com os membros mais pobres da igreja. Tinha grande alegria em dividir seus alimentos com eles.

Em 1953, ele se aposentaram e passaram a viver em Shafter, La Sierra, Califórnia. A partir de 1973, passaram a residir num confortável lar de idosos, onde tinham um apartamento e recebiam todos os cuidados. Mary continuou a ser sempre a mãe amorosa para os órfãos e as viúvas, os pobres e os necessitados. Tinha uma máquina de costura em seu apartamento e gastava grande parte de seu tempo confeccionando acolchoados para as Dorcas. Preparava, com retalhos, colchas e capas para os acolchoados.

Em 15 de maio de 1983, quando Mary perdeu seu querido esposo, chegou ao fim um feliz casamento de 72 anos. Agora ela estava sozinha, com uma companheira de quarto estranha, mas ela continuou o seu trabalho missionário falando do amor de Jesus a esta senhora.

Finalmente, o fim chegou também para a amada Mary, na idade de 96 anos. Na véspera do Natal, foi levada ao hospital com problemas respiratórios. Ali ficou até a manhã de 9 de janeiro, quando foi levada aos seu lar que ela tanto amava. O Senhor respondeu as orações de Mary. Ela não queria morrer no hospital. Talvez ela nem saiba que estava de volta ao seu lar, porque estava dormindo quando a levaram a permaneceu dormindo até ao meio-dia, quando seu coração parou.

Mary Voth Harder certamente está incluída na bênção de Apocalipse 14:13

Durante seus últimos dias, enquanto repousava em seu leito de sofrimentos, gemendo de dor, muitas vezes, seus gemidos eram misturados com o canto de uma velha melodia germânica ( hino nº 456 do Hinário Adventista) "Sabes quantas estrelinhas, lá no firmamento estão?"

Perguntaram-lhe por que cantava se estava sofrendo tanto?

Então, ela respondeu somente:

"Eu sou feliz!" - E continuou cantando aquela melodia.

Certamente Mary brilhará como tremeluzente estrela, com todos os remidos no glorioso dia da volta de nosso Senhor. Que esse dia venha logo!



Um dia



Um dia, eles foram chegando...

De longe, de mais perto,

De muito longe!

Traziam esperanças, traziam anseios.

E no vale, um lar os acolheu.

E aqui ficaram. Três, cinco, sete anos...

Vividos intensamente.

Com alegrias, com emoções,

Com tristezas, com entusiasmo...

E por que não? Até com reprimendas e castigos.


Dez anos se passaram...

Vinte, quarenta, setenta!

A escola cresceu!

Muita coisa mudou!

Mas a fé e o entusiasmo continuam os mesmos...


Um dia, eles foram chegando...

E hoje, estão espalhados pela Pátria,

Servindo a Deus! Servindo aos homens!

Alguns se foram além-mar.

Mas todos levam em si mesmos,

Inconfundível

A marca da Escola que os educou!


Um dia, nós também chegamos...

De perto, de longe... De muito longe!

E aqui estamos,

Porque a Escola do Vale também nos acolheu.


Há lutas ainda,

Há emoções ainda,

E há até reprimendas e castigos!

Mas nós somos felizes.

A marca indelével da educação integral

Está em nós.

E, mercê de Deus, nós também a levaremos conosco,

Quando partirmos...

Um dia...



A Vocês


Por algum tempo partilhamos juntos

Um trecho do caminho...

Um ano, dois anos, três...

Foi um bom tempo, digo eu,

Foi um tempo bom, vocês repetem.

Todos? Quem sabe? Todos sim!


Neste instante, porém,

Temos todos o mesmo sentir.

Vocês vão... fico eu,

A Escola fica...

O velho lar, que a cada dia

Os via

Chegando, saindo, sonhando, vivendo.

Vazias as salas... corredores silentes...

Chegará outro início,

Cadê vocês?

Longe... longe... Outros, nos lugares

De que vocês eram donos.

Saudade brava

Daqui e de lá.


Mais palavras? Por quê?

Tudo já foi dito. Tudo? Não!

Falta o adeus... sejam bons,

Sejam leais, sejam gente grande,

Gente bem... gente "gente".

Iacsenses, onde quer que estejam.

Sempre... cada dia, cada hora.

Ver-nos-emos ainda?

Quem sabe!

A vida

Tem suas encruzilhadas.

Lembranças? Para sempre!

Alegrias...com o sucesso de vocês.

Sejam vida! Sejam paz

Sejam luzes!

Em vocês, um pouco de nós.

Em nós, muito de vocês...

Adeus? Não!

Não há adeus entre amigos que se amam!

Até breve... até amanhã...

Até mais ver...


Dedicado aos formandos do 2º grau de 1991



O Jardim do Senhor


Quando Deus o mundo criou,

Fez da Terra um lindo jardim.

Mas um dia o mal veio e tudo mudou,

E este mundo ficou triste assim...

Porém, um dia aqui

Veio um homem de Deus

E quis, de novo, mil flores plantar.

Então o jardim do Senhor renasceu,

Bem aqui, neste doce lugar.


Este é um jardim,

Onde as flores gentis, são os jovens

Que Deus quer salvar! Oh, que belo jardim do Senhor!


Meu IACS, meu mundo, meu lar...

Com amor, venho, hoje, saudar

Quem, um dia, o jardim fez aqui renascer.


Oh, que belo jardim do Senhor...

Meu IACS do meu coração.

Todos nós, hoje aqui com prazer

Relembramos com muita emoção,

Quem, um dia, o jardim fez aqui renascer!


Letra para a música cantada no 64º aniversário do IACS - 1992



A uma turma especial


Guardá-los a meu lado eu bem queria,

Por mais três anos, quatro, cinco, dez.

Mas da vitória, eis que chega o dia,

E a vida os leva de uma vez.


Foram três anos bons... tanto carinho...

Se, por acaso, houve algum pesar,

O amor aplainou nosso caminho,

Deixando em tudo um brilho singular.


Agora vocês vão... vazia a sala...

Na chamada, seus nomes, nunca mais!

Fica a saudade que magoa e embala.


Fica alguém que os ama ternamente,

Esquecimento não virá jamais...

Só uma terna lembrança... docemente.


Dedicado à turma do 3º ALAQ de 1993


Farol que brilha

Se é noite escura, lá em alto mar,

Quão bom é ver um farol a iluminar.

A sua luz desmancha a escuridão,

Trazendo paz ao aflito coração.

No mar da vida, qual um farol,

Este lar longe vai com sua luz.

Que há de brilhar

Sim há de brilhar

Até voltar Jesus.


Um dia alguém, cheio de amor,

Foi fiel à palavra do Senhor,

Belo farol aqui plantou.

E sua luz brilhante

O caminho para muitos indicou.

Belo farol de radiante luz.

Sua luz há de brilhar

Sem nunca se apagar...

Até voltar Jesus!


Para o 66º aniversário - 1994